Assistir a minissérie “Cem Anos de Solidão, que estreou nesta semana na Netflix, foi viajar por dois universos paralelos em minha mente. O primeiro: a adaptação do livro de Gabriel Garcia Marquez é primorosa e fiel ao que se convencionou chamar de realismo mágico, uma escola literária da qual o escritor colombiano é o principal nome.
Tudo na produção foi feito com esmero – do casting às locações. Os produtores, inclusive, contrataram indígenas colombianos para ajudar na construção dos cenários. Três versões da fictícia cidade de Macondo foram criadas para a minissérie. O efeito é sensacional.
Os atores foram escolhidos a dedo e conseguem vestir os personagens de forma exemplar. Poucas vezes vi um elenco tão afiado e, ao mesmo tempo, tão adequado a uma obra. Passagens literais do texto original, por sinal, são utilizadas para a narração em off. Em tese, esse é um recurso batido – mas ganha um brilho especial por conta do estilo impecável de Garcia Marquez.
“Cem Anos de Solidão” é um livro essencial para qualquer pessoa, mas não é de fácil leitura. O ritmo é propositadamente arrastado, em uma narrativa feita para mostrar a realidade dos personagens, ambientados em um vilarejo distante da civilização no meio da mata colombiana. Felizmente, a minissérie consegue capturar a essência deste ritmo vagaroso, sem produzir algo monótono.
Os momentos em que se apresentam elementos de fantasia típicos do realismo mágico são produzidos com sensibilidade. Talvez o fato de contar com dois diretores latino-americanos (Laura Mora Ortega, colombiana, e Alex Garcia Lopez, argentino) tenha contribuído para a escolha do tom certo para se contar a saga da família Buendía.
A outra viagem à qual me refiro ocorreu dentro da minha cabeça.
Li “Cem Anos de Solidão” ainda adolescente. Naquela época, parei a leitura várias vezes para pensar a respeito das passagens que havia lido. Essa publicação teve grande impacto em minha formação como leitor, ao lado da obra de Julio Cortázar. Foi o livro de Garcia Marquez que me ensinou a sonhar com olhos abertos e a pensar em um mundo no qual não havia fronteiras entre realidade e magia. Para um adulto, pode parecer uma bobagem. Mas, para um jovem que está descobrindo a vida é tudo.
Curiosamente, o ator Claudio Cataño se parece muito com o coronel Aureliano Buendía que imaginei em minha mente. Isso me deixou ainda mais integrado à história, que tem – como muitos livros escritos na década de 1960 – um subcontexto político, no qual as multinacionais são a origem de todo o mal reinante no planeta. Essa questão, no entanto, é secundária e apenas tem importância durante um período específico da história.
Se estivesse vivo, Garcia Marquez iria certamente aprovar essa adaptação. A impressão que se tem é a de que não estamos vendo uma minissérie – e sim um filme com mais de oito horas. Se você não tiver nada para fazer neste final de semana, aproveite. Vale muito a pena.