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Como Madonna ajudou a mudar o pop — e o mundo

Hoje tem show de Madonna em frente ao Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma diva que mudou o pop e o mundo, pois possui uma personalidade que chama ainda mais atenção que sua música — justamente ela, que é uma das maiores artistas de todos os tempos.

Aproveito essa ocasião para republicar dois textos que fiz sobre Madonna. O primeiro, em março de 2020, quando contei um pouco de sua trajetória. O segundo, em 16 de setembro do ano passado, quando um comercial com a cantora, banido em 1989, foi resgatado com honras pelo anunciante.

A CEO improvável: Madonna

Na semana internacional da Mulher, o posto de CEO Improvável de Money Report vai evidentemente para alguém do sexo feminino. Quem melhor para ocupar este posto que Madonna Louise Veronica Ciconne? No mundo da música, ela é a terceira artista mais rica de todos os tempos (a fortuna dela é estimada entre US$ 590 e 800 milhões) e a quarta no ranking das maiores vendas do planeta, atrás apenas de Elvis Presley, dos Beatles e de Michael Jackson. Trocando em miúdos: Madonna é a mulher que mais vendeu discos no mundo.

Filha de um engenheiro da General Motors, nascida em Bay City, no Michigan, e criada em Pontiac, subúrbio de Detroit, Madonna foi uma estudante com notas altas e comportamento nada convencional. Largou a faculdade para morar em Nova York, pensando em seguir carreira como bailarina. Neste período, foi contratada com dançarina para a turnê do cantor Patrick Hernandez (que ficou conhecido pelo sucesso disco de “Born To Be Alive”) e decidiu ser cantora. Ficou batalhando um lugar ao sol no showbiz entre 1978 e 1982, quando conseguiu gravar seu primeiro compacto, “Holiday”, que teve um relativo sucesso.

Uma exposição ainda maior viria ao final de 1983, com a música “Borderline”. O álbum que se seguiu vendeu bastante, mas Madonna só chegou à condição de superstar em 1985, quando lançou o LP “Like a Virgin” e emplacou um hit após o outro. Chegou ao topo e ficou lá até hoje.

Logo após explodir no hit parade, Madonna viu que teria de dirigir sua própria carreira. Passou, então, a planejar todos seus passos e deixando de ser apenas uma cantora. Aproveitou a fama para se tornar uma estrela de cinema e passou a ser co-compositora de várias faixas que gravou.

Sob o ponto de vista técnico, ela não é um prodígio como cantora, atriz ou autora. Mas conseguiu entender profundamente seu público e surpreendê-lo constantemente, criando factoides e se estabelecendo como uma das pessoas mais famosas do mundo.

Como toda artista que atingiu a maturidade dos anos 1970 e 1980, Madonna encarou o sexo e o exibicionismo como uma forma de protesto – e usou e abusou deste estratagema para ficar nas manchetes dos jornais. Nos dias de hoje, essa estratégia talvez não desse certo. Mas isso funcionou até o final da década de 1990.

O palestrante Jamie Anderson, do comitê de Desenvolvimento de Negócios da London Business School, classificou Madonna em um artigo na revista Business Strategy Review como uma empreendedora nata. E afirmou que a cantora tinha cinco características imprescindíveis para o sucesso. A primeira seria uma visão única de seu negócio – no caso, a própria carreira. Em seguida, a capacidade de alavancar competências e trabalhar fraquezas. Depois, uma implementação consistente da visão de seu negócio. A quarta: entendimento do público e das tendências de seu setor. Por fim, a renovação contínua.  

Os resultados estão aí, traduzidos em números e em share of mind. De todos os pontos listados por Anderson, o último (a renovação contínua) é o que se destaca mais. Aos 62 anos de idade, Madonna acaba de lançar um novo videoclipe, totalmente gravado pelas lentes de um smartphone. Tudo em nome da inovação – e da renovação.

O vídeo banido de Madonna mostra como o mundo mudou

Nos anos 1980, a Pepsi conseguiu grande crescimento em suas vendas apostando em estrelas da música pop. O começo de tudo foi com Michael Jackson, que alavancou tanto o market share que a Coca-Cola sentiu o golpe e tentou mudar sua fórmula em 1985, com a New Coke (que tinha menos gás e era mais adocicada, como a… Pepsi). A Coca conseguiu se recuperar do fiasco da nova fórmula e o concorrente se manteve fiel a contratar astros musicais. Depois de Jackson, veio Tina Turner – e, depois dela, Madonna.

Foi uma aposta arrojada desde o início, pois a intérprete de “Like a Virgin” já mostrara o seu potencial para criar escândalos, além de cultivar uma imagem muito sensual. Em 1989, ela lançaria o álbum “Like a Prayer”, que consolidaria de vez sua presença no panteão da música internacional. A Pepsi, então, gravou um comercial com a música título e esperou que o disco e o respectivo videoclipe fossem lançados para iniciar uma forte campanha publicitária.

Havia, porém, um problema. Ninguém da empresa tinha visto o videoclipe da canção – e as imagens gravadas seriam consideradas bastante polêmicas. A cantora aparecia em uma igreja e conseguia, com seu sofrimento espiritual, trazer a estátua de um santo negro à vida (depois, veríamos que aquilo não passava de um sonho). Foi o suficiente para que uma onda de protestos conservadores surgisse em todos os Estados Unidos e mesmo em outros países.

Assustada com a repercussão negativa, a Pepsi tirou o comercial do ar (de qualquer forma, “Like a Prayer” chegou ao primeiro lugar das paradas de sucessos nos EUA e em todo o mundo), que ficou restrito a exibições no YouTube. Nesta semana, no entanto, a empresa resolveu veicular a peça gravada 34 anos atrás no intervalo do programa MTV Music Awards.

Madonna publicou uma mensagem nas redes sociais lembrando que tudo isso havia ocorrido porque ela havia se recusado a mudar as cenas originais do clipe, sem comprometer sua “integridade artística”. Também agradeceu à Pepsi por finalmente ter lançado essa “colaboração genial” (o comercial, diga-se, é bem-produzido e nada tem a ver com a temática mostrada no vídeo musical). E arrematou: “Artistas estão aqui para perturbar a paz”.

A assinatura da Pepsi neste comercial é provocadora: “Aplausos por perturbar o status quo”.

Isso mostra o quanto o mundo mudou nestes 34 anos. Uma corporação gigantesca, que morria de medo de polêmicas, resolve veicular um vídeo que exalta uma figura pública rodeada por controvérsias durante a carreira. Mais que isso: endossando a capacidade que Madonna tem de questionar o conservadorismo.

A Pepsi de hoje, no entanto, apenas reflete o universo dos jovens da atualidade – ou pelo menos daqueles que vivem nos centros urbanos. A nova geração é composta por pessoas que não estão conectadas com os antigos rótulos e não se escandalizam com esse tipo de vídeo. Madonna, para eles, está mais para uma vovó transviada do que um ícone libertário.

Ocorre que, em todo o planeta, existe a polarização e o confronto entre conservadores e progressistas (se não concorda com esses termos – algo totalmente compreensível – troque as palavras de acordo com sua opinião). Neste contexto, para cada ação haverá uma reação. Portanto, é de se esperar que o endosso da Pepsi a Madonna gere um boicote por parte do conservadorismo.

Talvez seja exatamente isso que Madonna e os executivos de marketing da Pepsi estejam desejando: se colocar no meio de uma batalha, do lado dos mais jovens. Foi assim que a empresa fundada por Caleb Bradham conseguiu passar à frente da rival, ainda que por alguns dias, sob a batuta do CEO Roger Enrico (a quem tive o prazer de entrevistar em 1987). Será que a história vai se repetir em pleno Século 21?

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