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Contra ou a favor: quando os interesses vencem a lógica

O ano era 2016 e a então presidente Dilma Rousseff (e o PT como um todo) era acossada pela Operação Lava-Jato. O deputado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Wadih Damous, teve uma ideia para bombardear a força-tarefa que combatia a corrupção na Petrobras: proibir, através de um projeto de lei, as delações premiadas de pessoas que estivessem presas. A razão disso? O hoje senador Sergio Moro, na época o juiz encarregado do caso, deixava os acusados mofando na cadeia até que aceitassem contar tudo o que sabiam em troca de liberdade. Todos os congressistas conservadores, naquele momento, foram contrários ao PL, que ficou engavetado desde 2016.

Nada como um dia após o outro para mostrar que, no Brasil de hoje, ser contra ou a favor de algo não depende de valores ou conceitos, mas dos interesses que estão por trás de uma determinada ideologia ou posição política. Foi exatamente o que aconteceu com o texto que ficou empoeirado nas gavetas da presidência da Câmara.

Oito anos depois que Damous escreveu seu projeto, o texto foi desengavetado e entrou na pauta da Câmara. Há duas razões para isso – e uma é consequência da outra. A primeira: o presidente da Câmara, Arthur Lira, quer fazer o seu sucessor e precisa do voto dos deputados bolsonaristas para isso. Por isso, desengavetou o projeto do ex-presidente da OAB, que agora pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ideia é tentar anular a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid na qual vincula Bolsonaro a algumas atividades ilícitas.

A jogada de Lira foi singular. De uma tacada só, criou um mecanismo para atrair a simpatia dos bolsonaristas e provocou uma forma de constranger os parlamentares esquerdistas, que terão de rejeitar uma ideia que surgiu nas hostes do PT. Neste caso, pode-se acusar o presidente da Câmara de muita coisa, menos de não ser um estrategista astuto.

Caso esse projeto tivesse sido aprovado em 2016, dificilmente a Operação-lava Jato teria obtido sucesso, já que boa parte das provas recolhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público teve origem justamente nas delações premiadas de acusados que estavam encarcerados.

Essa era uma das maiores críticas feitas ao então magistrado Moro. Mas ele minimiza que essa estratégia tenha sido crucial para o sucesso da Lava-Jato. Em entrevista publicada ontem no jornal “Folha de S. Paulo”, o senador foi perguntado sobre as empresas que dizem ter sido forçadas a construir relatos em seus depoimentos e que agora querem rediscutir as multas aplicadas por conta dos processos de corrupção. “Ninguém foi forçado. O dinheiro foi retomado, parte em acordos de colaboração e parte recuperado em contas na Suíça e em outros lugares”, respondeu Moro.

Essas manobras ocorrem em um momento no qual o governo de Luiz Inácio Lula da Silva parece estar perdido em vários terrenos, incluindo o da articulação política. O presidente assumiu achando que conseguiria levar o Congresso conservador na conversa. O que se viu, no entanto, foi um período de sufoco total, com o governo totalmente refém do Centrão. O que Lula não esperava era ter de trabalhar contra um PL de autoria de ex-parlamentar de seu próprio partido.

Agora, ele precisa se opor a uma proposta elaborada por quem ocupa a Secretaria Nacional do Consumidor de seu governo, com itens que poderiam ter impedido a própria prisão em 2018. Sem nenhum complexo de vira-lata, é possível uma única conclusão sobre esse episódio: uma situação dessas só poderia ocorrer no Brasil.

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