Quando fiz minha última cirurgia no quadril, recebi ainda no quarto a medicação que tomaria em casa. O nome de um dos medicamentos saltou-me aos olhos. Era a famigerada Oxycontin, da qual eu tanto ouvira falar anos atrás. Confesso que fiquei preocupadíssimo. O remédio, da mesma família que a heroína, era reconhecidamente viciante e milhares de pessoas tinham perdido a vida após o uso continuado. Controlei muito o uso e parei de tomar a Oxy três dias após ter voltado para casa. Até recentemente, minha família achava que era um exagero meu. Até que todos viram o seriado “Painkiller” (“Império da Dor”), que estreou pela Netflix no dia 10 de agosto.
A série mostra como o medicamento foi criado e toda a estratégia de marketing montada em cima da equipe de propagandistas – composta por meninas bonitas e ambiciosas. O conceito imaginado por Richard Sackler (interpretado por Mathew Broderick) é simples. Segundo ele, o comportamento humano é composto por dois fatores: as pessoas fogem da dor e estão sempre em direção do prazer. Por isso, ele quis criar uma substância que se posicionasse entre esses dois movimentos.
O crescimento da Oxycontin foi avassalador e o consumo explodiu. Mas, rapidamente, houve dois problemas. O primeiro foi a quantidade de pessoas que se viciou nestes comprimidos. A segunda foi o aspecto recreativo da droga, que passou a ser consumida (e com receitas médicas) por muita gente.
O resultado foi catastrófico: milhares de mortes só nos Estados Unidos e um batalhão de pessoas inutilizadas pelo vício (antes de cada episódio, parentes de vítimas da substância apresentam os entes queridos que perderam em função da droga).
Acompanhei de perto este escândalo pela imprensa e, por isso, fiquei apreensivo quando soube que teria de tomar a oxicodona para superar as dores pós-operatórias. Mas, felizmente, consegui interromper o uso rapidamente e sem nenhuma sequela.
Ao mesmo tempo que mostra a falta de escrúpulos dos acionistas da Purdue Pharma, a fabricante da Oxy, a série consegue escrutinar todo o caminho traçado para fazer deste remédio um dos maiores faturamentos já registrados no mercado.
O trecho em que a Purdue está tomando uma canseira de um analista da agência Food and Drug Administration (FDA) é um exemplo. O responsável pela aprovação não libera o produto, apesar das seguidas tentativas. Sackler, então, resolve utilizar uma velha estratégia de seu tio, chamada MICE. Segundo esse subterfúgio, as empresas precisam utilizar quatro ferramentas para virar o jogo contra algum inimigo. São elas: Money (dinheiro), Ideologia, Coerção e Ego.
Com o funcionário da FDA que estava emperrando o lançamento, utilizou-se o ego para dobrá-lo. O primeiro ataque foi puxar o seu saco de uma forma exagerada. Depois, conseguiram a publicação de um artigo do burocrata em uma importante revista de ciência. Após isso, ele aprovou o lançamento da droga, mas ficou apenas mais um ano no órgão. Adivinhe para onde ele foi trabalhar na sequência? Se você apostou em Purdue Pharma, ganhou.
Por fim, Richard Sackler nos brinda durante a série com uma pérola de sabedoria corporativa. Ele diz: “Há dois tipos de ser humano que importam. Criadores e vendedores. Eles são igualmente importantes; porém, os vendedores são mais. Afinal, não há talento maior do que aquilo que estimula o movimento físico de uma pessoa de pegar o dinheiro da carteira e entregá-lo a você”.
Trata-se de uma declaração cínica e desprovida de empatia. Mas você consegue discordar dela?