Ontem, após ler a entrevista da economista italiana Mariana Mazzucato (imagem) na Folha de S. Paulo (intitulada como “Ideologia dos ‘Chicago boys’ é uma economia estúpida”), fiquei matutando sobre como podemos ser mal interpretados por quem nos observa de fora. A entrevista mostra que Mazzucato, apesar de ser uma palpiteira sobre questões tupiniquins, ainda não entendeu muito o que se passa no Brasil.
Logo no início, falando sobre a política de meio ambiente na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, a economista diz: “Desde o primeiro dia, quando ele começou o novo governo, a questão da sustentabilidade e a Amazônia têm estado no centro”.
Bem, alguns fatos mostram exatamente o contrário. Em maio, para consolidar o apoio do Centrão, Lula desidratou o ministério do Meio Ambiente e deixou Marina Silva extremamente desconfortável. De uma penada só, uma medida provisória tirou da pasta comandada por Marina dois mecanismos importantes para a preservação do meio ambiente. Um é a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), que, foi transferida para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional; outro é o CAR (Cadastro Ambiental Rural), uma ferramenta para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação (foi para a pasta da Gestão e Inovação em Serviços Públicos).
Também o Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), o Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos) deixaram o Meio Ambiente e foram para Cidades, do ministro Jader Filho.
Apesar dessas evidências, a economista italiana acredita que o governo dá uma atenção prioritária à sustentabilidade.
Percebe-se que existe uma boa vontade com o governo em determinados círculos acadêmicos do exterior – da mesma forma que havia uma ojeriza nestas mesmas rodas pela gestão de Jair Bolsonaro. Os dois governos, no entanto, têm seus pontos altos e baixos. O problema é que, para os intelectuais estrangeiros, há apenas uma forma de encarar o Brasil: através de um determinado filtro ideológico.
Isso, no entanto, é perfeitamente compreensível. Enquanto Lula aposta em uma narrativa que é bem recebida no exterior, Bolsonaro fazia o oposto. O atual presidente esmera-se em usar um tom conciliador no plano internacional (apesar de alguns escorregões aqui e ali). Bolsonaro, porém, era visto como um boquirroto agressivo (e, em muitas situações, essa percepção seria de fato correta).
Diante disso, estabeleceu-se um veredito segundo o qual Lula merece a simpatia internacional.
Mas o Brasil não é a única nação a ser mal interpretada no exterior. Quando o ex-presidente Mikhail Gorbatchev deixou o poder, como arquiteto da abertura política e do fim da União Soviética, ele era visto pelo mundo inteiro como um estadista. Ocorre que, na Rússia, o cenário era bem diferente: a popularidade de Gorba estava baixíssima.
Nessas horas, é importante meter a mão na massa e entender melhor o que se passa dentro de um país do que cair nas narrativas de praxe. Abandonar a teoria e mergulhar de cabeça no mundo real pode efetivar maravilhas.
Vamos, para exemplificar esse ponto, tomar emprestado um trecho da biografia do empresário Elon Musk, escrita pelo jornalista Walter Isaacson. Em um determinado momento, Musk resolveu vender pacotes completos de energia sustentável para quem quisesse comprar automóveis Tesla. Assim, seria possível adquirir um pacote com um sistema de captação de energia solar nas residências dos clientes, que poderia ser utilizado para carregar as baterias do carro.
Ocorre que Musk decidiu trocar as placas de energia solar por telhas feitas com o mesmo propósito. O processo de instalação, porém, passou a ser caótico: uma coisa é colocar algumas placas no topo de uma casa; outra é trocar um telhado inteiro. Depois de inspecionar o processo de instalação, o fundador da SpaceX percebeu que havia vários erros primários no sistema, pois os engenheiros nunca tinham colocado a mão na massa.
Musk, então, mandou todos os engenheiros dessa divisão comparecerem às casas de seus clientes. Confrontados com a realidade, mudaram radicalmente o método de instalação, criando uma fórmula mais rápida, segura e barata.
Nosso país tem uma complexidade sui generis e não somos uma sociedade de fácil leitura. Por isso, aconselho a economista Mazzucato (e uma penca de outros teóricos estrangeiros) que perca mais tempo aqui no Brasil, ampliando seu leque de conversas antes de escolher uma narrativa que está longe de ser imparcial e ponderada.