O papel — ou a tela — é um ambiente seguro. Aqui, não há hesitações ou momentos de gagueira. Tudo pode ser editado e os erros podem ser apagados. Qualquer texto que se lê hoje em dia, mesmo as postagens nas redes sociais, foi com certeza editado e melhorado pelos autores.
E se a vida pudesse ser assim?
Se uma frase desastrosa que dissemos pudesse ser apagada? Se pudéssemos rebobinar a vida e apagar as bobagens que fizemos? Será que seríamos felizes, vivendo em um ambiente que julgamos ser perfeito — ou próximo da perfeição?
Momentos de infelicidade e de dificuldade, muitas vezes, são criados por nossa falta de maturidade, que se manifesta através da impaciência, da vaidade e do orgulho. A possibilidade de editar esses instantes seria uma tentação para muitos. Mas, se houvesse a possibilidade de consertar os erros à medida que eles ocorressem, nós teríamos condições de aprender com os tropeços da vida?
Provavelmente não.
Quando nos olhamos no espelho, nosso rosto é reflexo de nossa jornada. Quando jovens, nossa pele é lisa e nosso olhar reflete uma alma que está sedenta por aprender e ter novas experiências. Conforme ficamos mais velhos, entretanto, nossas rugas vão mostrando as marcas deste aprendizado.
Amadurecer é um processo doloroso. Ninguém amadurece sem sentir dor – das menores às inimagináveis. E nosso espírito vai acumulando cicatrizes conforme a vida vai evoluindo, nos trazendo momentos de felicidade absoluta e de sofrimentos que – mesmo durando segundos – parecem eternos.
A geração X e a dos baby boomers têm um comportamento padrão: tentam poupar os filhos desses tombos e procuram transferir a própria experiência para eles. São pais que, ao longo dos últimos anos, suavizaram o caminho de seus rebentos (me incluo nessa lista).
Mas, no fundo, esses jovens não querem absorver experiências de terceiros – mesmo que esses terceiros sejam seus pais. A juventude quer criar a sua própria bagagem e colecionar suas próprias marcas na pele.
Nossa vida e a dos nossos filhos, no entanto, já sofrem algum tipo de edição. O que mostramos nas redes sociais está anos-luz longe daquilo que somos na prática. A vida que exibimos é sempre positiva e desfrutável, sem perrengues. Os poucos que se arriscam a falar de problemas são evitados. Quem se desnuda e mostra algum lado negativo sofre um cancelamento dissimulado e silencioso.
Mas editar a própria acaba sendo uma forma de estimular apenas o lado frívolo da existência (que também existe e precisa ser vivido). Como podemos aproximar a nossa vida de verdade daquela que desfilamos nas redes?
Talvez isso seja impossível. O mundo digital virou o ponto central de distração da sociedade, ocupando o papel que a televisão teve até o início dos anos 2000. E o comportamento das pessoas na vida real começou a ser contaminado pela futilidade das redes sociais. Os lugares que frequentamos passaram a ser “instagramáveis” ou “tiktocáveis”. Registrar um acontecimento passou a ser mais importante do que a experiência em si.
Já que estamos chegando no final do ano e pensando em nossa “bucket list” (a lista de resoluções de ano novo), sublinhei esse tópico em minhas anotações mentais: em 2025, vou tentar fazer um detox das redes sociais e aproximá-las mais de minha realidade.
Será que vou perder seguidores? Saberemos em breve.