Durante as férias, mantenho um hábito de pedir, com alguma frequência, ovos com bacon no café da manhã. Trata-se de uma combinação perfeita para mim. Uma overdose de proteína que contrasta a cremosidade quase doce das claras e gemas mexidas com o sabor salgado e caramelizado do toucinho. Sem dúvida, um dos maiores ícones da baixa gastronomia americana, ao lado do hambúrguer, dos hot-dogs e dos donuts.
Ontem, ao bater os olhos nessa primeira refeição do dia – “petit déjenuer” para os franceses e “pequeno-almoço” para os portugueses –, me lembrei de uma história divertida: a de como as pessoas começaram a consumir ovos e bacon no café da manhã.
Esse hábito surgiu nos anos 1920 e teve um criador: Edward Bernays. Sua profissão: “spin doctor”. Em bom português, Bernays era um assessor de imprensa renomado e tinha como bônus um profundo conhecimento de psicologia, pois aprendera os segredos desta ciência então nascente com o tio, ninguém menos que Sigmund Freud.
A Beech-Nut Packing Company, a maior produtora de bacon dos Estados Unidos, estava passando por uma queda expressiva em suas vendas naquela década. No século anterior, com o trabalho manual, os americanos consumiam muita comida logo de manhã. Mas, com o desenvolvimento das áreas urbanas e o crescimento dos empregos em escritórios, as pessoas estavam buscando opções mais leves, como torradas e café. Resultado: as vendas de derivados de porco caíram substancialmente.
A Beech-Nut, então, contratou Bernays. Seu desafio: criar alguma estratégia de divulgação que alavancasse seus negócios. Ele, então, resolveu chamar um médico para ajudá-lo na em sua empreitada. Este médico escreveu cinco mil cartas perguntando a seus colegas se eles achavam que um café com bacon e ovos era melhor do que uma refeição mais leve nas primeiras horas do dia. Cerca de 75 % dos profissionais de saúde consultados responderam que o desjejum mais consistente seria uma melhor opção.
Com essa pesquisa nas mãos (este universo já seria significativo nos dias de hoje; cem anos atrás, era um volume astronômico de pesquisados), buscou os grandes jornais da época e sugeriu reportagens a respeito do tema. A resposta foi imediata e muitos artigos sobre ovos e bacon no café da manhã começaram a pipocar no país inteiro. Resultado: as vendas de toucinho explodiram e um novo hábito se estabeleceu até hoje.
Essa não foi a única contribuição de Bernays para a sociedade de consumo. Ele criou uma campanha de relações-públicas para promover o consumo de cigarros junto ao público feminino. A ideia seria trocar o consumo de doces por tragadas de Lucky Strike. Para apoiar essa campanha, ele divulgou várias pesquisas associando o consumo de açúcar à gordura nos corpos femininos. O.K., não foi seu melhor momento. Mas, naquela época, nos anos 1940, ainda não havia o conhecimento pleno de que os cigarros faziam mal para a saúde. Ou tampouco existiam estudos sobre distúrbios alimentares e seus efeitos nefastos para adolescentes e mulheres.
Ele também enveredou pelo caminho da bebida. Depois que a Lei Seca acabou, em 1933, muitas regiões americanas resolveram manter a proibição ao consumo de álcool (os chamados “dry counties”, diga-se, existem até hoje – no Arkansas, por exemplo, há 34 condados nos quais o consumo de álcool é totalmente vetado). O sobrinho de Freud começou a pautar os veículos sobre a moderação no consumo de bebidas alcóolicas e como a cerveja poderia ser uma opção para evitar o abuso desta substância. O resultado foi idêntico ao da pesquisa sobre o café da manhã – as cervejarias tiveram um aumento substancial em seu faturamento.
Seu trabalho, infelizmente, serviu de inspiração para o ministro da propaganda hitlerista, Joseph Goebbels. Vários jornalistas americanos que entrevistaram o nazista viram o livro “Crystallizing Public Opinion” (Cristalizando a opinião pública), de Bernays, em seu escritório. Talvez isso o tenha impelido a trabalhar de graça para diversas causas depois da Segunda Guerra, como as campanhas criadas com sucesso para a American Cancer Society.
Bernays morreu aos 103 anos, em 1995, e hoje é considerado o pai das relações públicas. Seu legado é experimentado diariamente por milhões de pessoas que consomem ovos com bacon no café da manhã. Estes consumidores, que nunca ouviram falar nele, são o exemplo de como uma ação bem-feita de comunicação pode causar mudanças profundas dentro de uma sociedade.
Imagine, agora, o que uma mente como a de Edward Bernays poderia criar dentro de um universo com redes sociais, influenciadores, algoritmos, robôs e inteligência artificial. Ele provavelmente seria um dos homens mais poderosos deste século e poderia estar no topo da lista de bilionários ou das pessoas mais influentes do planeta.
Respostas de 2
O mais bizarro nisto é ver como a massa pode ser e é manipulada com facilidade. Creio que a maneira de fugir um pouco mais ou menos de tudo isso e não entrar de cabeça na “unanimidade”.
Pura verdade!