Eric Carmen foi para o andar de cima nesta semana e deixou um legado impressionante de hits próprios e composições entregues a terceiros, como “Almost Paradise”, da trilha sonora do filme “Footlose”. Seu maior sucesso, porém, marcou uma década e seu refrão é conhecido por todas as gerações: “All By Myself”, que galgou as paradas entre 1975 e 1976. A melodia dessa canção, como Carmen costumava explicar, tinha uma característica peculiar: foi baseada no Concerto número dois para piano, de Rachmaninov.
A relação entre música clássica e o pop não é muito comum. Nas canções que tocam o rádio, podemos até intuir o caminho da melodia, mesmo quando as escutamos pela primeira vez. Isso, no entanto, raramente acontece com sinfonias. Quando achamos que a música vai para um lado, geralmente a evolução das notas nos surpreende e toma um rumo diferente.
Evidentemente, há exceções. A Quinta Sinfonia de Beethoven e as Quatro Estações de Vivaldi são alguns exemplos, além da 18ª variação sobre Tema de Paganini, de Rachmaninov (ele de novo, nesta melodia que foi tema do filme “Um Lugar no Passado”, com Christopher Reeve e Jane Seymour).
Além de Eric Carmen, Barry Manilow tomou emprestado alguns acordes clássicos e fez uma grande canção: “Could it be Magic”, que possui trechos tirados de Prelúdio em Dó Menor, de Chopin. Essa canção, inclusive, entrou nas paradas duas vezes. Uma com o próprio Manilow, em 1975, chegou ao sexto lugar na lista da Billboard (mas tocou pouco nas rádios brasileiras). No ano seguinte, Donna Summer regravou essa canção e atingiu o 52º lugar no ranking das mais vendidas nos EUA. Por aqui, no entanto, Summer fez muito mais sucesso que Manilow.
E o riff de órgão de “Whiter Shade of Pale”, da banda britânica Procol Harum? Trata-se da combinação de duas obras de Bach (uma ária da Suíte número três e a cantata “Ich steh mit einem Fuß im Grabe”), embalando uma letra psicodélica e de difícil interpretação.
Por fim, temos um exemplo que é de inspiração mesmo, sem cópias ou empréstimos. Trata-se de “Eleanor Rigby”, dos Beatles. Quando perguntado por que uma banda de rock havia gravado uma canção com violinos, John Lennon respondeu que “Paul [McCartney] estava ouvindo muito Vivaldi nessa época e pediu um arranjo nesse estilo para [o produtor] George [Martin]”.
Desde que ficaram ricos, todos seus companheiros de grupo passaram a morar em mansões no subúrbio, mas Paul decidiu ficar em Londres. Nessa época, ele contava com duas grandes influências intelectuais: a namorada Jane Asher e o escritor Barry Miles (que depois escreveria a biografia dele, “Many Years From Now”). O caldo cultural apresentado pelos dois a Paul era uma mistura que ia do músico vanguardista John Cage até clássicos como Beethoven e o barroco Vivaldi. Essa mistura ajudou Paul a evoluir como compositor e arriscar a introdução de novos instrumentos nas gravações dos Beatles, como trompetes e trompa francesa.
Mais tarde, nos anos 1970, houve uma outra onda: o rock progressivo, que misturava elementos clássicos com a música moderna, em um movimento que teve como principais nomes grupos como Genesis, Emerson, Lake and Palmer, Yes e até Supertramp. Mas isso, meus amigos, é tema para outro texto, em um domingo no futuro.