Já faz muito tempo. Estava eu em minha sala, analisando uma planilha que detalhava os custos de produção da revista Época, da qual era o diretor de redação. Foi quando minha secretária interrompeu a leitura e me disse que havia um produtor da TV Globo ao telefone, querendo marcar uma reunião na semana seguinte, para falar de uma novela que seria lançada daqui a alguns meses.
Imaginei que a conversa seria para discutir uma entrevista com o autor, Gilberto Braga, e pedi para que o encontro fosse agendado para a próxima quarta-feira. No horário previsto, vi um grupo de oito pessoas se aglomerando em frente à minha sala, todas com crachá da Globo, que também controlava a editora onde trabalhava.
Todos entraram em minha sala e um deles disse que a próxima novela giraria em torno do cotidiano de uma editora de revistas, que teria duas grandes publicações: uma de celebridades, chamada “Fama” e baseada na revista “Quem”, que publicávamos; e outra, denominada “Palavra”, inspirada em “Época”. Eles, então, começaram a me perguntar como funcionava o dia a dia da redação e se fixaram em detalhes da minha sala.
Atrás da minha mesa, por exemplo, havia um mapa com as páginas da edição que iriámos fechar na sexta. À medida em que uma reportagem fosse lida e revisada pelos editores, um fac-símile da matéria era colado neste diagrama. Dessa forma, na sexta-feira, ao final do dia, poderíamos ver todo o conteúdo daquela edição na parede — e, olhando o conjunto, poderíamos analisar melhor o conteúdo antes da impressão.
Eles também se fixaram em uma pilha de jornais que tinha do lado direito e em um grupo de pastas que deixava à minha esquerda. Expliquei que aqueles eram exemplares do New York Times que chegavam duas vezes por semana – e que as pastas guardavam material que poderia ser transformado em reportagens (dossiês, estudos, recortes de jornais etc.).
Eles anotaram tudo e me perguntaram se eu usava terno e gravata todos os dias. Respondi afirmativamente. Qual a razão? Volta e meia eu tinha de ir a Brasília às pressas – e, assim, já estaria pronto para qualquer encontro com autoridades.
Meses depois, a novela, chamada “Celebridade”, estreou. Acompanhei alguns capítulos e percebi que havia um personagem baseado em mim. Era o diretor de redação da revista “Palavra”, chamado Benvindo Queiroz, cuja sala era uma réplica da minha, com direito a uma pilha de jornais e um ajuntamento de pastas em cima da mesa. Ah, ele usava terno e gravata o tempo todo.
Queiroz, inclusive, teve uma participação importante na trama. O dono da editora, Lineu Vasconcellos, vivido por Hugo Carvana, foi assassinado no meio da novela, para criar o famoso recurso de “quem matou?”, um clássico da dramaturgia televisiva no Brasil.
O jornalista, então, fez descobertas importantes sobre o crime – mas seria também morto quando estava prestes a contar o que sabia à polícia. No final, quem matou Queiroz e Lineu? Laura Prudente (Cláudia Abreu), inimiga mortal da protagonista Maria Clara Diniz (Malu Mader).
Estive (indiretamente) no ar por 44 capítulos e soube recentemente que o personagem acabou eliminado da trama porque Otávio Muller fora chamado para trabalhar em outro projeto da Globo. Mas foi tempo suficiente para perceber detalhes da minha sala ou alguns maneirismos meus na atuação de Muller – um divertimento que poucas pessoas puderam ter na vida.
Agradeço imensamente ao Gilberto Braga e sua equipe de produção por esses 44 capítulos. Afinal, não é todo mundo que pode dizer ter sido a inspiração para um personagem de novela.
Uma resposta
Hahahahahahaha. Muito legal, Aluizio!! Bela história!