Não, este não é um artigo sobre Lei Rouanet, contra ou a favor.
Trata-se de um arroubo nostálgico, do tempo em que se ganhava dinheiro com cultura no Brasil. É possível enumerar vários exemplos, mas vamos ficar em um caso específico – o grupo Abril, que hoje não é mais controlado pela família Civita. Até os anos 1970, boa parte do faturamento dessa editora vinha da venda de fascículos e livros que exaltavam as artes, a ciência, a história e a filosofia.
Como assim?
Entre as décadas de 1968 e 1982, o editor Victor Civita lançou mais de 200 coleções de fascículos, livros e discos no mercado brasileiro. Os números são impressionantes – e mostram que conhecimento e erudição deram dinheiro no passado. Através do selo Abril Cultural, Civita vendeu mais de um bilhão de fascículos, 30 milhões de livros e 11 milhões de enciclopédias.
Alguns dos títulos publicados: “Arte nos Séculos”, “Os Imortais da Literatura Universal”, “As Grandes Óperas”, “Os Cientistas”, “Conhecer”, “Nosso Século”, “Gênios da Pintura”, “O Corpo Humano” e “Os Pensadores”.
Tenho, desses lançamentos, a enciclopédia “Conhecer” e a coleção “Os Pensadores”. E guardo ainda um exemplar da série “Nova História da Música Popular Brasileira” (imagem), que era composta de uma revista acompanhada por um disco de vinil de 10 polegadas (este que possuo é dedicado à dupla de compositores João Bosco e Aldir Blanc). Essa série foi lançada em 1970, com reedições em 1976 e 1983, contando com a colaboração de especialistas como Júlio Medaglia, José Tinhorão e Rogerio Duprat, entre outros.
A estratégia da família Civita era vender cultura a prestação. Em vez de gastar uma quantia substancial para comprar uma coleção, paga-se pouco por semana em fascículos. Ao final, encadernava-se tudo a preços módicos. Quando os fascículos chegavam ao fim, a editora colocava à venda os volumes completos para quem se dispusesse a pagar um valor maior, estratégia que foi adotada no canal porta-a-porta.
É possível ganhar dinheiro com essa tipo de produto nos dias de hoje? Dificilmente, pois a cultura se diluiu na indústria do entretenimento. Hoje, a maior fonte de receita está nos shows e nas plataformas de streaming. O acesso a livros eletrônicos aumentou bastante, mas obras voltadas para a arte e à ciência, que eram vistosas no papel, perderam a graça em telas pequenas como as do Kindle.
É irônico. Nunca tivemos tanta facilidade para crescer do ponto de vista cultural, com infinitas opções de conteúdo online. Mas nunca foi tão difícil ganhar dinheiro com a disseminação da arte, história e filosofia.