Em entrevista publicada ontem na “Folha de S. Paulo”, o ministro da Fazenda fez uma defesa de sua gestão em frente à pasta. Provocado pela jornalista Monica Bergamo sobre a intenção (ou não) de o governo ajustar as contas públicas, Haddad deu uma longa resposta, defendendo a responsabilidade fiscal do governo. E ainda arrematou: “A mesma mídia que defende corrigir as contas públicas defende também os seus privilégios. Ok, esse é o Brasil. Mas pensa um pouco antes de cobrar. Sinceramente, falta um pouco de honestidade intelectual com o esforço que o governo está fazendo”.
Ok. Vamos falar de honestidade intelectual, ministro.
Em primeiro lugar, não são apenas os órgãos de imprensa que criticam o governo pela leniência com as contas públicas. Há uma lista do Oiapoque ao Chuí de economistas e empresários que fazem a mesma coisa – alguns deles, inclusive, alinhados com o PT.
Defender um controle contínuo de despesas estatais e a redução do tamanho do Estado em si é um direito de qualquer cidadão. Se tivermos menos funcionários públicos – investindo em eficiência e tecnologia, preservando setores que são carentes de mão-de-obra – os impostos poderão diminuir, sobrando mais recursos para o consumo e para a poupança.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva quer aumentar o número de funcionários públicos (somente em 2024, o quadro de pessoal foi elevado em 3.057 pessoas; serão realizados concursos em 2025 para 85.000 vagas no serviço federal, dos quais 27.000 são cargos inéditos) Isso significa elevar os gastos. Mas o ministro Haddad reafirma que o governo está comprometido em segurar despesas. Onde está a coerência aqui?
A queixa do ministro vai adiante:
– Temos que recuperar a credibilidade e isso está sendo feito. As três agências de risco reconhecem isso. O FMI também. O curioso é que quando uma agência de risco melhora a nossa nota de crédito, a imprensa faz um editorial criticando a agência de risco. É algo particular do Brasil, né?
Bem, para o ministro, aparentemente a imprensa fala mal apenas por esporte – ou implicância. Mas vamos olhar de perto a decisão da Moody’s, empresa de rating que elevou a nota de risco do Brasil, saindo de Ba2 para Ba1. No relatório, os analistas da Moody’s afirmam que “um crescimento mais robusto e uma política fiscal consistentemente aderente ao arcabouço fiscal permitirão que o ônus da dívida se estabilize no médio prazo, embora em níveis relativamente altos”.
Trata-se de uma análise extremamente otimista. Mas será dificílimo encontrar, fora das hostes governistas, alguém que corrobore essa previsão. Portanto, a imprensa te todo o direito de questionar o diagnóstico da Moody’s.
Além disso, quando a própria Moody’s elevou o grau brasileiro de Ba2 para Ba1 em 2007, a situação do Brasil era bem diferente em praticamente todos os aspectos da economia, especialmente a relação entre dívida pública e Produto Interno Bruto e o resultado primário.
Diante disso, é mais do que razoável colocar em dúvida os critérios utilizados pelas agências – especialmente porque essas notas positivas foram obtidas após uma visita de Lula a Nova York, quando se encontrou com representantes dessas empresas. O presidente é conhecido por sua capacidade de encantamento e persuasão em encontros sociais ou compromissos oficiais. Isso pode ter influenciado o julgamento dos analistas americanos.
Outro ponto deve ser destacado nessa entrevista de Haddad. Para o ministro, parecem existir apenas duas forças políticas relevantes no país, o petismo e a extrema-direita. Calma lá. Temos 212 milhões de habitantes e, por mais polarizado que seja o país, ainda existem muitos eleitores moderados, que transitam entre a esquerda light, o centro e a direita sem extremismos.
Se a imprensa precisa de maior honestidade intelectual, pode-se dizer o mesmo do ministro da Fazenda, pelo menos em relação a esses tópicos. Com todo o respeito, evidentemente.