Paul McCartney já disse mais de uma vez que o papel de Yoko Ono na separação dos Beatles é superestimado. O desgaste na relação dos quatro integrantes da banda já durava alguns anos antes da implosão do grupo, que teria ocorrido de qualquer forma. Mas a figura dessa artista japonesa, que foi casada com John Lennon de 1968 a 1980, ano de sua morte, é até hoje alvo de críticas por muitos fãs dos quatro rapazes de Liverpool – uma onda que foi revivida recentemente com o lançamento do documentário “Get Back”, do cineasta Peter Jackson, lançado em 2022 (o acordo que selou o rompimento definitivo dos Beatles, por sinal, completou 50 anos no último dia 29).
A figura de Yoko voltou ao meu radar nesta semana, quando um amigo, Armando Luz (operador financeiro e chef de mão cheia), soltou a seguinte pérola durante uma conversa sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama, Janja da Silva: “A Janja é a Yoko Ono de Lula”.
A frase provocou gargalhadas na roda de pessoas que conversavam despreocupadamente em meio ao recesso do Réveillon. Mas, depois, fiquei matutando a respeito. De fato, havia muitas semelhanças entre as duas personagens: mulheres fortes, que substituíram esposas discretas e obtiveram certo protagonismo diante de maridos solares, carismáticos e influenciadores.
Mas similaridades não param por aqui.
Janja, como Yoko, parece ser onipresente ao lado de Lula, acompanhando-o em diversas ocasiões nas quais o presidente costumava comparecer sozinho em seus dois primeiros mandatos, quando Marisa Letícia preferia ficar nos bastidores (isso não quer dizer, contudo, que Dona Marisa não tivesse grande influência sobre o marido).
A primeira-dama também parece ter criado uma redoma em torno do presidente, afastando-o da roda de pessoas que influenciavam Lula em sua vida passada. Isso poderia explicar a mudança de comportamento do mandatário no período atual – mas não podemos descartar também os efeitos que o encarceramento por mais de 500 dias teve na personalidade do petista mais famoso do país.
Yoko Ono, em sua época, se tornou uma espécie de filtro da realidade para o marido. Janja parece agir da mesma forma. Muitos ministros se queixam de sua interferência na relação entre Lula e seus colaboradores e identificam o dedo dela em muitas linhas de atuação do governo.
John Lennon tinha, como Lula, uma imagem que flertava com o radicalismo. Mas o Lennon que emerge do casamento com Yoko é mais incisivo – e passa a atuar como um ativista. O presidente, em seu terceiro mandato, vai pela mesma toada, assumindo um tom provocativo que contrasta com o mandatário conciliador de 2003 a 2010.
A imagem do Lennon contestador é fruto de sua relação com Yoko. O mesmo se pode dizer do Lula que gosta de jogar constantemente os pobres contra os ricos em seus discursos e entrevistas. A diferença é que John Lennon morreu com 40 anos, enquanto Lula está com 79 anos e será um octogenário em 2025. Dessa forma, não saberemos nunca como o ex-beatle agiria em sua velhice. Os anos a mais retirariam seu ímpeto contestador? Yoko – hoje bastante pacata – colaboraria para que ele se tornasse um senhor fleumático?
E Lula? Vai continuar insistindo no figurino combativo que tanto criou insegurança na economia brasileira em 2024? Se Janja tiver esse poder que muitos dizem ter, talvez esteja na hora e refletir: vale a pena insuflar alguém com tantos poderes nas mãos?
Esta é, evidentemente, uma pergunta retórica.