Federico Grosso, Pedro Bartelle, Fábio Coelho, Murillo de Aragão, Alberto Leite e Ricardo Roldão contam lições parentais
Ontem, falava com um amigo sobre o efeito que nossos país têm sobre a personalidade que acabamos construindo ao longo da vida. Este meu amigo, Federico Grosso, é italiano e mora no Brasil há anos (é o CEO da Adobe para a América Latina). Gosto de ouvi-lo: sua visão sobre as coisas é sempre interessante, pois consegue sintetizar elementos europeus e brasileiros em suas opiniões.
Seu pai era um executivo da Chevron na Itália. Com ele, aprendeu a ser um líder despretensioso e focado. E com sua mãe? Dela veio a parte criativa e a resiliência necessária para enfrentar os problemas da vida.
Nenhuma família é perfeita e muitas relações entre pais e filhos são tortuosas e difíceis. Mas mesmo aqueles que possuem um relacionamento complicado com os pais podem aprender com os exemplos testemunhados dentro de casa – ou rejeitando modelos de comportamento e ideias condenáveis que eventualmente venham dos mais velhos.
Meu pai teve uma influência importantíssima em minha vida. Sua curiosidade intelectual, a busca por argumentos sólidos em discussões sérias e a grande capacidade de transformar histórias simples em narrativas cativantes – essas foram características que sempre me encantaram e que me estimularam por toda a vida. Já minha mãe me ensinou a ser forte, resistente e sensível à necessidade dos outros. A primeira vez que ouvi a palavra “empatia” foi aos treze anos de idade, dita por ela.
Curioso, perguntei a alguns amigos ao longo do domingo que lições importante eles tinham absorvido dos pais ou das mães. Recebi alguns relatos apaixonados pelo WhastApp, alguns escritos e outros gravados.
Pedro Bartelle
Pedro Bartelle, CEO da Vulcabrás, foi um dos primeiros a responder à minha provocação. “Meu pai é aquela pessoa que adora compartilhar seu conhecimento. Aprendi com ele muito sobre o nosso ramo de sapatos, especialmente sobre produtos a sua produção (poucos entendem tanto sobre esse assunto). Mas o maior ensinamento, que levo muito a sério, é a valorização e o respeito às pessoas – saber escutar e tratar a todos igualmente. Sempre se preocupando com o bem-estar de todos, não só nos negócios, mas com todos que o cercam”.
Fábio Coelho
Depois de receber minha provocação, perto do meio-dia, Fábio Coelho, CEO do Google no Brasil, selecionou cinco ensinamentos vindos da sabedoria paterna. São eles: 1) Faça o seu melhor e seu sono será tranquilo. Se você fizer o que estiver ao seu alcance com energia a atitude, não haverá do que se arrepender ou lamentar. 2) Se não tem solução, resolvido estará. Aprendi a não sofrer com coisas fora do meu controle. 3) Mosca se pega com mel e não com fel. Meu pai sempre foi um diplomata para resolver os problemas mais complicados, sem se alterar ou levantar a voz, sempre positivo e gentil. 4) Nunca é tarde para fazer ajustes; seja um eterno aprendiz. Ele se aposentou aos 60 anos da CVRD (atual Vale) e sua empresa de projetos de energia alternava completou 25 anos em 2020. Um sujeito que nasceu no campo, em Araripina, interior de Pernambuco, e se formou em engenharia aos 29 anos. 5) Você não é melhor que ninguém, mas também não é pior que ninguém. Me ensinou a ter os pés no chão, sonhar grande, trabalhar duro e entender que a definição de sucesso não passa por dinheiro ou bens materiais.
Murillo de Aragão
Quando pedi ao cientista político Murillo de Aragão a mesma coisa, ele preferiu pinçar um pensamento de sua mãe. “Foi dela tive a lição mais importante para a minha vida”, respondeu. “Ela sempre dizia, repetindo Aristóteles, que a virtude está no meio e no equilíbrio”. De fato, uma das características mais fortes deste amigo é sua capacidade de enxergar os dois lados e manifestar suas opiniões sem partidarismos ou radicalismos.
Alberto Leite
Alberto Leite, fundador da FS, empresa de segurança digital, diz que aprende com seu pai desde a infância “O trabalho, para ele, foi e ainda é, inegavelmente, um fator determinante para toda e qualquer trajetória de sucesso”, explica. “Acordar cedo, com a cantoria dos galos, a disciplina, a obstinação, o valor do ‘sujar as mãos de graxa’ foram marcantes. Ele sempre teve a certeza de que o trabalho duro conduz a prosperidade e passou esse conceito para frente”.
Ricardo Roldão
Ricardo Roldão, da rede atacadista que leva seu sobrenome, recebeu uma lição parecida. “Com meu pai, aprendi que todo trabalho é importante”, lembra. “Desde se preocupar com o produto e o local no qual que será exposto. Quando era mais jovem, não entendia a razão de me pedir para limpar o expositor dos frios de padarias e mercados – mas, hoje, entendo perfeitamente o que ele queria dizer na época”.
Ter resiliência foi outro grande ensinamento do velho Roldão, um imigrante português que chegou ao Brasil um pouco antes da adolescência. E manter a cabeça no lugar. “Ele dizia para nunca se desesperar por algo que não dava certo ou ficar muito eufórico por algo que deu”, diz. “Era um otimista e sempre repetia o seguinte que não tinha atravessado um oceano sozinho, aos 11 anos de idade, para temer o futuro”.
Próximas gerações
Hoje, esta geração olha para o passado e lembra do exemplo dados por pais e mães. Mas, diariamente, estão servindo de exemplo para seus filhos e filhas. A cada momento, nossas atitudes são observadas por nossos herdeiros e, de alguma forma, assimiladas – algumas delas, por sinal, podem ser até incorporadas à personalidade deles.
Na noite passada, perguntei ao meu filho se ele tinha aprendido alguma coisa com meu comportamento ou através de meu exemplo como pessoa. Curiosamente, ele escolheu duas características que assimilei do meu pai e da minha mãe: a curiosidade intelectual dele e a resiliência dela. Mas sapecou ainda uma terceira: que ele tinha desenvolvido um pragmatismo que o ajudava a superar os problemas. E que essa era uma característica minha.
Percebi, naquele momento, que ele dizia a verdade: eu sempre fui um pragmático, mas nunca havia me definido dessa forma. Com essa frase dele, consegui fechar um círculo. Aprendi muito com meu pai. E percebi, agora, que também posso aprender muita coisa com meu filho, embora ele tenha apenas 24 anos.
Renato Russo
E, pensando nisso, me lembrei de um clássico da banda Legião Urbana (“Pais e Filhos”), na fina poesia de Renato Russo:
“Sou uma gota d’água/ Sou um grão de areia/ Você me diz que seus pais não lhe entendem/ Mas você não entende seus pais/ Você culpa seus pais por tudo/ E isso é absurdo/ São crianças como você/ O que você vai ser/ Quando você crescer?”.