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Na coluna número 1.000 em MR, uma homenagem ao cronista Carlinhos de Oliveira

Esta é a coluna de número 1.000 que escrevo para MONEY REPORT.

A primeira foi publicada em 15 de janeiro de 2018 e resumia uma conversa com o empresário Flávio Rocha sobre as eleições daquele ano. Ao comentar a postura dos candidatos Geraldo Alckmin à presidência e João Doria ao governo estadual, cobrou coerência dos políticos do PSDB: “Não adianta ser de direita na economia e de esquerda no comportamento”, alfinetou.

Política, economia e negócios são os assuntos mais frequentes da coluna. Mas comportamento e artes também entram na pauta.

Até a pandemia, escrevia de um a dois textos por semana. Com a chegada da Covid-19, passei a redigir uma coluna diária, que emendava os sábados e domingos com os dias de semana. Essa foi minha rotina durante seis meses. Depois disso, decidi que iria tirar os finais de semana para descansar (mesmo assim, ainda publico alguns textos nos sábados e domingos – como é o caso deste aqui).

Ao comentar diariamente os fatos que ocorrem em nossas vidas, um jornalista corre o risco de ser parcial e opinativo. É o meu caso. Mas tento sempre ser ponderado e procurar demonstrar os dois lados de uma situação – especialmente nestes dias tão marcados pela polarização política.

Não é algo fácil. Especialmente quando discordo frontalmente de uma opinião. Mas busco um equilíbrio, especialmente porque ouço muita gente ao dia e acabo enxergando os dois lados de uma só moeda. Por isso, estou acostumado a ouvir críticas de petistas e de bolsonaristas a um mesmo texto publicado por mim. Não tem problema. Isso começou a acontecer há muito tempo e espero que ainda ocorra por longos anos.

Me enxergo como um cronista de nosso tempo, procurando descortinar os atrasos de nossa época – e também o lado bom de se viver nos anos 2020. Sigo alguns exemplos do passado, como Antônio Maria, Stanislaw Ponte Preta (o pseudônimo do escritor Sergio Porto) e Carlinhos de Oliveira. Confesso, porém, que jamais terei a mesma verve, estilo refinado e ironia avassaladora deste trio.

Talvez o menos conhecido dos três seja Carlinhos de Oliveira, que se definia como “uma espécie de psicanalista amador da Zona Sul carioca”. A coluna deste capixaba que se tornou carioca da gema era obrigatória no Jornal do Brasil, onde pontificou de 1961 a 1983. Era um figura tão emblemática que foi entrevistado, certa vez, por Clarice Lispector. A entrevista ocorreu na varanda do Antonio’s, o legendário bar que ficava na esquina das ruas Bartolomeu Mitre e Ataulfo de Paiva, no Leblon. Talvez tenha sido o diálogo mais extravagante do jornalismo brasileiro, pois nenhuma palavra foi dita. Clarice escrevia a pergunta em um papelzinho e recebia a resposta por escrito. Ficaram assim durante horas, até que ela considerou a entrevista por encerrada.

Quando penso na vida, lembro sempre de um texto de Carlinhos, “Receita de Viver”. Essa crônica, publicada em 1966, é atualíssima e destaco dela alguns trechos para encerrar meu texto número 1.000. É minha homenagem a um dos maiores cronistas do jornalismo brasileiro:

“Para viver bem, é preciso […] estar sempre em condições morais de perder tudo e começar tudo outra vez. Interessar-se por tudo, principalmente por aquilo que não nos diz respeito. Amar apenas uma mulher de cada vez. Dizer sempre a verdade, seja qual for e doa a quem doer. Conhecer um por um os nossos defeitos, curar-se dos que não são naturais e cultivar aqueles que mais nos agradam.

Evitar ao máximo o paletó e a gravata, os chatos que falam no ouvido, as mulheres que resolvem tudo pelo telefone, os bêbados que mudam de personalidade quando lúcidos, os vizinhos muito prestativos e todo papo do qual participem mais de três pessoas.

Não discutir preços – é melhor ir embora sem comprar. Não guardar ódios a ninguém. Dormir oito horas e, acordando, continuar na cama enquanto puder. Recusar-se terminantemente a beber uísque que não seja escocês legítimo, preferindo a cachaça como alternativa. (Isto vale apenas para quem gosta de beber e bebe frequentemente, como é o caso do autor dessa receita. Neste caso, a aceitação de qualquer bebida é moralmente inquietante, pois atravessa a fronteira que separa o prazer do vício.)

Ser condescendente com o comportamento sexual dos outros. Tentar compreender cada pessoa, evitando julgá-la. Saber exatamente o momento em que os amigos gostariam de estar sós. Ter caráter bastante para reconhecer as qualidades positivas de um eventual inimigo. Treinar, como quem faz ginástica, para ser sinceramente modesto. Saber contar com irreverência histórias em que faz papel de bobo, e que tenham acontecido realmente.

Viver tão intensamente que possa dizer à morte, quando vier: ‘Já veio tarde’.”

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