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Não faça do sincericídio uma arma: a vítima pode ser você

Durante um bom tempo da minha vida, falei tudo o que vinha na cabeça. Chamo esse período de “a fase Dercy Gonçalves” (uma comediante do passado conhecida pela sinceridade absoluta). Certa vez, estava em um evento e um amigo se aproximou, dizendo que iria apresentar para mim um empresário. Eu conhecia essa pessoa, que tinha sido minha fonte jornalística. Mas o tal empresário brigou com o meu chefe daquela época e resolveu que não me conhecia mais. Eu disse em voz alta: “Nem perca o seu tempo; eu já fui apresentado a ele umas dez vezes e ele sempre diz ‘muito prazer’”. As pessoas em volta arregalaram os olhos e eu continuei a conversar com meu interlocutor. Por conta desse comportamento, cultivei a fama de arrogante e afastei algumas pessoas das quais gostava de mim.

Quando estava na Editora Abril, houve uma reunião na qual dois diretores estavam discutindo um determinado assunto. Um era um jornalista veterano, de fala mansa; a outra era uma especialista em moda, dirigindo uma revista do gênero. Quase todas as frases dele eram completadas por ela. Até que ele perguntou: “Você me acha lento?”. Ela respondeu: “Acho”. E deu uma gargalhada, que levou quase todos que estavam na reunião a rir. Alguns meses depois, porém, ele se tornou chefe dela. E a demitiu.

Em 2007, um executivo importante na época deu uma entrevista para o jornal Valor Econômico na qual disse que se o “Piauí deixasse de existir, ninguém ficaria chateado”. A frase, extremamente infeliz, provocou a ira dos cidadãos piauienses e fez a festa dos políticos. Produtos da empresa chegaram a ser queimados em praça pública. O autor deixou o cargo — um dos mais respeitáveis do mercado brasileiro àquela altura — depois de um ano.

Em 2021, o então ministro Paulo Guedes chamou seu colega, Marcos Pontes, de “burro” e “incompetente” em reunião com parlamentares. No meio da conversa, ainda disse que boa parte da verba do ministério ficava parada. Pontes, na visão de Guedes, “vivia no espaço” e não definia as prioridades de sua pasta. O clima entre o ministério de Jair Bolsonaro ficou muito ruim e as relações entre Guedes e Pontes nunca mais foram as mesmas.

Esses exemplos de sincericídio mostram que falar tudo o que vem à cabeça é ruim para todos. Proporcionam histórias divertidas, mas criam uma discórdia desnecessária e muitas vezes provocam feridas emocionais que não podem ser curadas com o tempo.

Há quem ligue esse comportamento a algum tipo de autismo – o personagem Sheldon Cooper (imagem), do seriado “Big Bang Theory” é um exemplo disso. Sincero demais, acaba frequentemente diminuindo seus colegas ao ressaltar a própria capacidade intelectual.

Muitas vezes, porém, as atitudes do sincericida podem vir da arrogância, da imaturidade ou do desequilíbrio emocional. Esse tipo de atitude, em uma empresa, é munição para os inimigos – e acabam sendo um entrave importantíssimo na carreira de quem fala tudo o que vem à mente.

O empreendedor, no entanto, não tem como agir dessa forma. Quem toca uma empresa, não importa o tamanho, precisa cultivar relações pessoais para conseguir crescer. Não estou falando de relações puramente comerciais. É importantíssimo ter amigos ao seu lado para apontar eventuais erros, o que permite correções de rota. Quando o empreendedor é sincericida, a saída é uma só: o ostracismo.

A diferença entre sincericído e sinceridade é simples: o sincericida fala aquilo que considera ser verdade com uma dose desnecessária de agressividade (voluntária ou não) e acaba se prejudicando no processo. Trata-se de um mal moderno, nessa época em que a lacração é uma matéria-prima importante para as redes sociais. Sinceramente (ôpa!), a vida fica melhor quando falamos a verdade sem o tempero da ironia ou da maldade.

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Comentários

Respostas de 3

  1. Fazendo uma análise após ler esse texto, vejo que em muitas etapas da minha vida fui sincericídia vou me policiar por que realmente isso atrapalha, e a partir desse texto que meus olhos se abriram mais para essa questão. Só tenho a agradecer, antes tarde do que nunca para aprender.

  2. Lendo esse relato, descobrir que as vezes sou uma sincericídia, infelizmente. Mais a partir de hoje vou observar mais e ter sabedoria nas minhas respostas. Parabéns, ótima reflexão.

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