Já falei nesta coluna sobre uma frase que ouvi, nos anos 1980, do jornalista Elio Gaspari em uma madrugada de fechamento da revista Veja. Ele disse: “Nenhuma reputação resiste a um ‘dragão’”. A gíria se referia às transcrições de grampos feitos na ditadura militar, com o intuito de incriminar eventuais inimigos do regime. Usei essa frase de Gaspari para falar de uma gravação feita no Palácio do Planalto em reunião na qual se discutiu abertamente a possibilidade de se instituir um estado de sítio e melar o resultado das eleições de 2022.
Nesta semana, sou obrigado a usar de novo a frase do jornalista para adaptá-la: “Nenhuma reputação resiste a um áudio de WhatsApp”. Bem, há gravações de todo tipo. Mas existem aqueles que chocam pela frieza, pelo ódio ou até pelo preconceito. Estamos falando dos áudios que foram divulgados sobre o suposto complô contra a democracia (com direito ao assassinato de três autoridades) e sobre a manifestação racista de uma modelo e influenciadora.
No caso da menina, ainda há uma dúvida se ela gravou as opiniões preconceituosas ou se foi gravada. Já no episódio do grupo liderado pelo general Mário Fernandes, os áudios foram gravados em postados no WhatsApp.
O momento em que se grava uma mensagem para outra pessoa, muitas vezes, pode ser inapropriado. O remetente pode estar bravo com alguma coisa e acaba descontando a insatisfação no destinatário da mensagem, que nada tem a ver com o assunto original. Ou então alguém disse ou fez algo que desagradou seu interlocutor, que solta os cachorros em uma gravação.
Escrever mensagens com raiva já é algo perigoso. Mas, mesmo que o conteúdo seja agressivo, não podemos ouvir o tom de voz do autor – e, por isso, não somos tão impactados pela agressividade das palavras. Mas um áudio captura a raiva em seu esplendor, deixando gravadas todas as nuances e modulações de voz, para que não se tenha dúvidas quanto ao estado de espírito daquele que apertou a tecla de gravação.
No caso dos militares insurretos, muitos de chocaram ao ouvir que era preciso convocar uma reunião com a “rataria” para atentar contra o processo democrático. Ou a seguinte frase: “Democrata é o cacete, não tem que ser democrata mais agora. ‘Ah, não vou sair das quatro linhas’, acabou o jogo. não tem mais quatro linhas”.
O episódio de racismo, por sua vez, registrou algumas frases lamentáveis sobre uma cantora. “Você gosta de mina cabelo duro, de neguinha? Ali é neguinha, alguém ali, um pai ou a mãe veio da África, tá na cara”, disse a moça. Ou então se expressou da seguinte maneira: “Ela lavava bem a louça?”, associando a vocalista a funções domésticas.
É deplorável constatar que existem pessoas que pensam assim e não se sentem envergonhadas em se expressar deste modo. Os dois episódios mostram que atitudes tomadas em âmbito privado, quando levadas à ribalta das redes sociais ou à imprensa, chocam por revelar a verdadeira natureza de determinadas pessoas.
Por esta razão, é preciso fazer uma reeducação geral para sobrevivermos aos novos tempos digitais. Não basta mais não falarmos de determinadas coisas em público; não podemos falar mais certas barbaridades em âmbito privado; e, por fim, não podemos mais nem deixar nosso lado politicamente incorreto se manifestar em nossas mentes. Sob pena de deixar escapar, mais tarde, algo que iremos nos arrepender. Goste-se ou não, esse é o mundo no qual vivemos hoje.