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O Abilio Diniz que conheci

A primeira vez que falei com Abilio Diniz foi pelo telefone. Trabalhava na revista Veja e estávamos fazendo uma reportagem sobre a nova sede que o Pão de Açúcar iria inaugurar na região da Berrini, em São Paulo. Ele foi cordial e profissional. Depois de alguns anos, fui um de seus entrevistadores no programa Roda Viva. Naquele momento, o achei bastante arrogante e defensivo em suas respostas. Mas, quando as câmeras desligaram, ele foi simpático e divertido ao conversar conosco.

Fui encontrá-lo novamente anos depois, quando a revista onde trabalhava fez uma reportagem de capa na qual ele falava da associação com os franceses do Casino, dizendo que ficaria à frente do Pão de Açúcar por alguns anos e se retiraria para o conselho da empresa. Me lembro que pensei: está aí alguém que controlou seu ego.

Nossos caminhos se cruzaram novamente algumas vezes. Durante a edição de uma reportagem, pedi para falar com ele. Conversamos mais uma vez pelo telefone e meu interesse estava em ampliar um pouco mais um lado que o texto original explorava pouco – a sua espiritualidade.

Li os seus livros e, confesso, fiquei espantado em como ele tinha a habilidade de ver o lado positivo em todas as suas experiências. Um detalhe me chamou a atenção: ele não jogava bem futebol e por isso era escalado no gol. Mas contou essa passagem da vida exaltando a sua performance como guarda-metas. Outras pessoas teriam dito apenas que não eram craques – ou ignorariam esse tipo de detalhe. Já Abilio viu neste aparente fracasso uma chance de dizer o quão espetacular ele havia sido como goleiro.

Em 2014, assisti a uma palestra dele sobre a situação econômica do país. No encerramento, teceu considerações sobre as perspectivas da seleção brasileira na Copa. Ao final, fez uma brincadeira e disse que poderíamos sonhar em cantar, ao final do torneio, a música “We Are The Champions”. Mas creditou a canção aos Beatles.

Ao final, o cumprimentei e especulamos um pouco sobre a escalação do time do técnico Felipe Scolari. Aí, comentei que a música mencionada por ele não era dos Beatles e sim de outra banda de rock, o Queen. Abilio arregalou os olhos, balançou afirmativamente a cabeça e disse: “É isso mesmo”. Em seguida, deu uma gargalhada e disse: “Estou falando isso há duas semanas e ninguém me corrigiu”. Ponderei que nem todo mundo tinha a cara de pau, como eu, para corrigi-lo. Demos risadas e nos despedimos.

Durante a pandemia, MONEY REPORT realizou uma “live” de dois dias seguidos em parceria com a revista EXAME. Pensei imediatamente em incluir Abilio como um dos entrevistados. A sua assessora de imprensa disse que ele não queria falar com a imprensa naquele momento, mas insisti e disse que ele iria se lembrar de mim. A assessora passou a ele um texto que o portal Jornalistas & Cia havia feito ao meu respeito. Ao final, o autor mencionava que eu havia sido esportista e corrido maratonas. Esse detalhe o convenceu a participar de um painel conduzido por mim.

Conduzi a conversa para que ele falasse de si, sua história e valores. Foi um depoimento fabuloso sobre atividade física, alimentação, autoconhecimento e espiritualidade. “O importante é você fazer o bem. Para mim uma coisa que sempre foi muito importante é a questão de gerar empregos. A função principal do empresário é gerar riquezas para o país, produzir e gerar empregos. Na Península Participações, investimos muito em pequenas empresas, startups. Olhamos fundamentalmente para empresas do bem, que contribuem para o desenvolvimento.”   

No mesmo evento, falamos sobre o processo de desindustrialização do Brasil. Foi Diniz quem matou a charada: “Quem desindustrializou o Brasil foi o imposto”. Talvez tenha sido a análise mais direta, econômica e certeira que alguém já fez a respeito desse tema.

Minha última entrevista com ele foi no ano passado, quando pedi a ele que falasse um pouco sobre se era possível falar bem de si mesmo sem parecer arrogante. Basicamente, ele me disse o seguinte:

Essa é uma questão delicada. Isso é julgamento. E é um julgamento que deve ser feito por outras pessoas, que não nós. Eu acho difícil encontrar uma maneira de falarmos bem de nós mesmos, a não ser que você diga generalidades. Eu sempre fui uma pessoa do bem. Por mais agressivo que eu tenha sido, principalmente em outras épocas, eu sempre fui uma pessoa do bem. Sempre procurei seguir uma linha, uma correção que meu pai me ensinou: honestidade e ética. Sempre procurei seguir isso. E também com aquilo que minha mãe me apresentou – o caminho de Deus. Eu sempre procurei seguir a vida pensando assim: “Deus está lá em cima, está vendo o que estou fazendo”. Isso me dá a linha de agir assim corretamente. Para falar de coisas assim genéricas, tudo bem. Mas, para falar de alguma coisa específica, não sei.  O julgamento tem de ser feito por outras pessoas que não nós mesmos.

O Abilio dos últimos tempos era assim: preferia ser chamado pelo primeiro nome e adorava dar aulas e gravar seu programa de TV pela CNN. Sempre preocupado em controlar o próprio ego e cultivar a humildade, além de estar sempre conectado com o mundo espiritual.

Vá em paz, meu caro. O Brasil perde muito com sua partida. Mas todos nós vamos cultivar por muito tempo o exemplo de empresário que você foi. Seu legado, como empreendedor e como ser humano, jamais será esquecido.

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