Uma pesquisa feita pelo Ipec e divulgada nesta semana mostra que o número de leitores no Brasil despencou desde 2019. O estudo ainda mostra que, pela primeira vez desde que a enquete começou a ser feita, há no país mais gente que não lê do que pessoas que leem.
Os números apresentam uma triste realidade. Em 2024, perdemos 6,7 milhões de leitores, se compararmos o cenário atual com o de 2019. Os brasileiros, em média, leem 3,96 livros ao ano; em 2019, eram 4,95 livros anuais. Ou seja, a leitura é um hábito em decadência – e talvez isso explique as razões pelas quais o país vai tão mal em avaliações mundiais sobre educação.
O levantamento do Ipec, feito em conjunto com o Instituto Pró-Livro e o Itaú Cultural, mostra que a leitura perde de lavada para outras opções de entretenimento. Cerca de 46% dos brasileiros dizem não ler mais por falta de tempo. Mas 71% deles dizem utilizar suas horas de lazer para navegar por aplicativos como WhatsApp e Telegram. Temos ainda 53% que preferem usar seus momentos de lazer para assistir a vídeos ou filmes, 71% para ver televisão e 60% para escutar rádio ou ouvir música.
A leitura foi perdendo espaço para o ritmo frenético das redes e a quantidade enorme de posts que prometem diversão e dopamina em questão de minutos. Essa montanha russa de conteúdo concentrado acaba contribuindo para o surgimento de uma epidemia de falta de concentração. Ler um livro de 300 páginas, assim, passa a ser um sacrifício para quem considera ver um vídeo de quinze minutos um desafio à paciência.
Um país com poucos leitores é uma nação fadada ao naufrágio intelectual. Sem conhecimento, não iremos a lugar nenhum. Sem repertório cultural, seremos um bando de medíocres sem capacidade de discutir, argumentar ou criar.
Muito se fala da necessidade de melhorarmos o desempenho de nossos estudantes em matemática – o que é verdadeiro e necessário. Mas sem um nível de leitura mais abrangente, não conseguiremos levar o Brasil a uma etapa de maior desenvolvimento, criando uma geração que consiga se exceder em pesquisas científicas e na quebra significativa de paradigmas.
Muitos de nós desprezam o efeito que a literatura tem nas pessoas. Mas é um dos caminhos mais rápidos para despertar a criatividade que está dentro de nós. E criatividade, em um mundo que começa a ser dominado pela Inteligência Artificial, é mercadoria escassa e cara.
Paradoxalmente, o maior estímulo dado à leitura nos dias de hoje, vem de uma plataforma digital, o TikTok. Milhões de livros são vendidos a partir de recomendações postadas nessa rede, a partir de uma hashtag chamada #BookTok. Os booktokers foram responsáveis, por exemplo, pela popularidade da escritora americana Coleen Hoover, que vendeu mais de 4 milhões de exemplares de diversos títulos apenas no Brasil.
A hashtag #BookTokBrasil tem 2,5 milhões de publicações e mais de 20 bilhões de visualizações. Tenho um exemplo dos efeitos dessa plataforma aqui em casa. Minha filha de dezesseis anos é uma leitura voraz. Nos últimos três meses, por exemplo, ela leu mais de 30 livros.
Isso significa que, se as estatísticas gerais mostram números cadentes, mesmo com milhões de livros vendidos através de recomendações nas redes, a situação poderia ser pior sem ferramentas como o TikTok. Nosso país não pode mais desprezar a cultura e o conhecimento proporcionados pela leitura – mesmo diante de uma vida frenética que os novos tempos impõem a todos. O comportamento das novas gerações mostra que é possível criar disciplina e paciência naqueles que estão viciados na dopamina fácil das redes sociais.
Onde estamos perdendo mais leitores? Na faixa entre 30 e 39 anos de idade, exatamente quando as pessoas estão em um processo agressivo de ascensão profissional. Em 2019, 53% das pessoas com essa idade eram leitores; hoje, são 45%.
Ou seja, quando a criatividade, o conhecimento e o repertório são mais necessários, as pessoas estão descuidando da leitura, desistindo de um hábito que pode ser crucial para suas carreiras e para o desenvolvimento pessoal de cada uma delas. A leitura cria novos territórios em sua mente e expande seu universo particular. Faz a sua existência ter mais sentido. É como dizia o escritor Umberto Eco: “Quem não lê, aos 70 anos terá vivido uma só vida: a própria. Quem lê terá vivido 5000 anos. A leitura é uma imortalidade de trás para frente”.