Escrevi essa coluna em 2019. Com a morte de Henry Kissinger, republicamos o texto no dia de hoje:
Dificilmente um CEO que se preza goza de unanimidade. Em seu caminho ao topo, calos são pisados, empurrões dados e socos desferidos. Mas, principalmente, decisões erradas são tomadas. Tome-se, por exemplo, o caso de Henry Kissinger, o CEO Improvável de Money Report nesta semana. Seu apoio foi fundamental para golpes de estado e a implementação de ditaduras na América Latina. Ele foi um dos mentores da Operação Condor, criada para reprimir a oposição aos regimes militares sul-americanos, que descambou para o sequestro, tortura e assassinatos de milhares de pessoas.
Fosse julgado apenas por estas atitudes, Kissinger estaria fadado a uma nota de rodapé na história americana.
Mas este judeu alemão, nascido Heiz Alfred Kissinger em 1923, foi quem empreendeu esforços sobre-humanos para botar fim à Guerra do Vietnã e se aproximar da China e da então União Soviética. Quem estava do outro lado da mesa das negociações? A fina flor do comunismo internacional.
Entender Kissinger não é exatamente uma tarefa simples. Enquanto realizava conversas diplomáticas para encerrar a guerra em solo vietnamita, aumentava exponencialmente os bombardeios ao território inimigo para elevar seu poder de barganha. Uns podem chamar isso de falta de caráter. Outros, simplesmente de ambição movida a sangue frio.
Qualquer que seja a definição perfeita para a personalidade do chanceler americano, uma coisa é certa: ele ganhou todas as pendengas em que se envolveu. E conseguiu a proeza de aproximar o mais anticomunista de todos os presidentes americanos, Richard Nixon, dos chineses e russos.
Falando um inglês carregado de sotaque teutônico, Kissinger desembarcou no governo depois de anos e anos estudando e ensinando na Universidade de Harvard. Uma vez no poder, ganhou rapidamente a confiança de Nixon e carta branca para implementar uma política externa que reprimisse movimentos esquerdistas de um lado e abrisse oportunidades comerciais com os grandes satélites do Comunismo. Convenhamos, uma tarefa árdua. À qual ele executou com louvor.
Admiradores e detratores concordam em um ponto: as bases para o cenário internacional em que vivemos foram construídas nos anos 1970 por Henry Kissinger. Como ele conseguiu isso? “Raramente na história encontrou-se um ambiente no qual todos os fatores eram maleáveis como naquela época”, escreveu sobre seus esforços diplomáticos. “À nossa frente estava a chance de moldar os eventos para construir um novo mundo, aproveitando a energia e os sonhos dos Estados Unidos e a esperança de toda a humanidade”.
Deixou oficialmente o governo quando Gerald Ford foi derrotado por Jimmy Carter em 1976. Mas, durante as gestões de Ronald Reagan e George Bush sênior, foi um conselheiro atuante. Conseguiu ser mais ouvido por Reagan do que por Bush. Pragmático e maquiavélico, esteve por trás do acordo que reduziu o arsenal nuclear dos Estados Unidos e da União Soviética, então comandada por Mikhail Gorbachev. Ao assinar o documento, Reagan cumprimentou o colega russo e disse: “Acabamos de fazer história”. Olhou em seguida para Kissinger. Naquele momento, agradeceu o ex-chanceler com o olhar. A humanidade, em peso, deveria concordar. E perdoar os eventuais erros deste CEO improvável, que vai completar 97 anos de idade no ano que vem.