No dia 2 de agosto de 1973, os leitores do jornal “O Estado de S. Paulo”, se depararam com algo inusitado na página 3 do diário. No lugar de um texto jornalístico, estava lá um poema de Luís de Camões (imagem), intitulado “Canto primeiro”. Qual a razão para isso? A censura do governo militar tinha proibido a publicação de um editorial chamado “Uma fórmula esdrúxula”. Os editores, com a anuência da família Mesquita, dona do matutino, resolveram colocar um trecho de “Os Lusíadas” para deixar óbvio que o artigo original tinha sido proibido.
Depois de um tempo, Camões deixou de ser o único recurso para o protesto contra a censura. Também houve anúncios da rádio Eldorado (também dos Mesquita) e receitas de bolo publicadas na primeira página e no corpo do jornal. Após algumas dessas publicações, os leitores captaram a mensagem e passaram a acompanhar o tamanho da censura em um jornal importante como “O Estado”.
Esse exemplo, porém, não foi seguido pelos outros jornalões. O “Estado” ficou sozinho em sua luta diária contra a censura, que só seria amenizada em 1978, quando chegou ao final a vigência do AI-5. O fim oficial da chamada censura política, no entanto, só ocorreria em 1985, quando o então ministro da Justiça, Fernando Lyra, anunciou que nenhum veículo de imprensa seria mais proibido previamente de publicar qualquer tipo de conteúdo. No entanto, um ano depois, o mesmo governo José Sarney proibiria a exibição do filme “Je Vous Salue, Marie”, do cineasta Jean-Luc Goddard, depois de forte pressão por parte da Igreja, que considerou a película “herege e obscena”.
Como no caso do “Estadão”, houve uma reação irreverente à censura do filme de Goddard, embora muito mais escrachada. Um bloco de carnaval em Brasília lançou uma marchinha de carnaval chamada “Je Vous Salue, Marly”. “Marly”, no caso, era o nome da primeira-dama.
Atitudes como a do Estadão, que combateu um ato agressivo como o atentado à liberdade de imprensa de forma pacífica, remetem à filosofia de Mahatma Gandhi. Nascido Mohandas Karamchand Gandhi, ele combateu o colonialismo inglês, que governava a Índia com mão de ferro, pregando sempre a não-violência. Conseguiu a independência indiana em 1947 e foi assassinado um ano depois.
Sobre sua filosofia de não ser violento contra os adversários, Gandhi disse: “A não-violência é a maior força à disposição da humanidade. Ela é ainda mais forte que a mais poderosa arma de destruição criada pela engenhosidade humana. Minha religião é baseada na verdade e na não-violência. A verdade é meu Deus; e a não-violência é a forma de realizar o que este Deus deseja”.
Mas há uma outra frase deste pacifista que representa muito bem a luta contra a censura e a busca pelas liberdades individuais: “Você pode me acorrentar, me torturar ou mesmo destruir este corpo. Mas você jamais vai aprisionar a minha mente”.