Um episódio ocorrido dias atrás mostra o quanto as pessoas estão descontroladas. Um rapaz entra com colegas em uma padaria em Barueri, senta-se e faz um pedido de café da manhã. Abre seu notebook e começa a fazer uma reunião de trabalho no local. É, então, abordado pelo dono do estabelecimento que (sem educação, diga-se) diz ser proibido abrir computadores portáteis na mesa e utilizar a padaria como um escritório informal. A partir daí, a discussão vai saindo de controle, com o comerciante se descontrolando cada vez mais, xingando o cliente e o desafiando a “conversar” lá fora.
Na calçada, o clima fica ainda pior. E, ao final da gravação, o dono da padaria diz o seguinte: “Vou te pegar. Vou pegar esse cara, vou matar esse cara. Não me filma, ele está me filmando. Você não é homem. Se eu ver essa filmagem em algum lugar, vou matar vocês”.
Há apenas uma palavra para definir este acontecimento: lamentável.
Entende-se que comerciantes possam ficar incomodados com o uso de seus pontos como uma sala de reuniões, com clientes ocupando mesas indefinidamente, prejudicando a rotatividade normal do comércio e prejudicando o faturamento. Mas é inadmissível usar de um tom agressivo e ameaçar um consumidor de morte.
Por mais absurdo que pareça, o que aconteceu em Barueri simboliza muito bem o que está acontecendo no Brasil (e, quem sabe, em boa parte do mundo): muita gente não tem mais paciência. O pavio da sociedade, que já era curto, desapareceu.
Essa impaciência evolui para a intolerância e daí para a brutalidade – e destrói até os argumentos de quem poderia ter razão no início de uma discussão. Tome-se como exemplo o comerciante: como dono do estabelecimento, ele pode estabelecer regras (que geralmente deveriam estar bem visíveis na entrada do local) de conduta dentro de suas quatro paredes. Mas, caso exista desrespeito a esses termos de conduta, o cliente deve ser abordado com educação – o que não foi o caso.
Nessa mesma semana, outra situação deplorável – também registrada em vídeo – chama muito a atenção. Dessa vez, a figura do agressor não é a de quem está do lado de dentro do balcão e sim da clientela. Uma mulher invadiu uma loja em Arraial da Ajuda, na Bahia, e começou um quebra-quebra, em um flagrante caso de antissemitismo. A cliente ainda ameaçou a dona da loja depredada: “Vou te pegar!”.
Nos dois casos, é possível perceber que o ato de gravar uma confusão, em vez de criar um embaraço para quem está sendo agressivo, apenas é um combustível para aumentar a bestialidade. Isso também pôde ser visto em um vídeo que registra manifestações xenófobas de uma portuguesa contra uma brasileira no aeroporto do Porto, em Portugal. “Você pode filmar o que você quiser. Você pode pôr na internet. Olha aqui a minha carinha. Sua porca. Vai para a sua terra, sua porca. Sou portuguesa de raça. Você, que é brasileira, vai para a sua terra. Raça de ***”.
Parece que estamos passando por uma fase na qual os agressores não têm mais vergonha de nada e fazem questão de demonstrar sua brutalidade animalesca e seus preconceitos mais arraigados (isso fica implícito inclusive no vídeo da padaria, na qual o comerciante faz comentários sobre a aparência do cliente)”.
Na verdade, ocorre o contrário no mundo de hoje: é possível notar nessas figuras lamentáveis um certo orgulho em ser agressivas, autoritárias e preconceituosas. No caso desses três vídeos, as vítimas mantiveram o controle e a civilidade – algo dificílimo de fazer dadas as circunstâncias. Aqueles que foram atacados são os grandes exemplos desses casos abomináveis. Vamos nos mirar nessas referências para saber como nos comportar caso venhamos a sofrer uma agressão verbal gratuita. Não podemos responder violência com violência e colocar mais pólvora em um cenário que já está bastante explosivo.
