Meus amigos sabem que, na juventude, fui deejay profissional antes de me formar e enveredar pelo jornalismo. Nessa época, vivi algumas histórias interessantes – e uma delas me veio à mente nesta semana, quando li que o escritor Ignácio de Loyola Brandão está lançando um livro infantil aos 88 anos. A publicação se chama “Só Sei Que Nasci” e foi escrita para sua neta, Antonia, de um ano e meio. Ele, ainda, está produzindo um novo romance, que tem a velhice como tema principal, e está ativo como nunca.
O lugar onde trabalhei era uma danceteria com capacidade para 800 pessoas, embora houvesse noites em que a lotação ia até 1.200 jovens. O nome do local era “Rádio Clube” e seus donos eram o jornalista Paulo Markun e o empresário Telmo Cortês de Carvalho. Na frente, havia um bar caprichado com menu desenvolvido pelo crítico gastronômico Silvio Lancelotti.
Nas sextas e nos sábados, a frequência jovem tomava conta do lugar. Mas no meio da semana, o salão era utilizado para eventos privados – assim como o bar. Pois foi em uma dessas ocasiões em que Ignácio de Loyola usou a frente do “Rádio Clube” no início da noite para receber jornalistas e falar de seu novo livro, “O Verde Violentou o Muro”.
Só que, no mesmo dia, o editor Toninho Mendes havia alugado o salão para fazer uma festa e lançar alguma publicação do cartunista Angeli. Não lembro ao certo se era a revista Chiclete com Banana ou um livro com os personagens Bob Cuspe ou Rê Bordosa – me recordo apenas que era alguma obra deste paulistano que ganhou notoriedade com suas tirinhas impagáveis no jornal “Folha de S. Paulo”.
Fiquei ali no bar acompanhando a conversa de Loyola com os críticos literários, até que vi pelo canto do olho, o Toninho Mendes me chamar. Ele queria falar sobre a música da festa e tinha um sujeito vestido de preto ao seu lado. Era o Angeli. Conversamos (o Angeli pediu que eu tocasse pelo menos uma música dos Ramones) e o Toninho se afastou para conversar com seus promotores.
Fiquei sozinho com Angeli e começamos a falar sobre seus personagens. Demos muitas risadas. Até que notei que Loyola, após o final de sua coletiva, tinha se sentado sozinho em uma mesa ao fundo do bar. Propus ao Angeli:
– Quer conhecer o Ignácio de Loyola Brandão?
Ele topou na hora e fui lá, com a cara de pau que tenho de vez em quando, apresentar os dois. Acabei me sentando à mesa com eles e disse a Loyola que havia gostado muito de “Bebel Que a Cidade Comeu”. Ele achou muito estranho ter um leitor da minha idade, elogiando um livro lançado em 1968 – e que era deejay de uma danceteria. Mas me respondeu que “Bebel” tinha sido o livro que ele havia escrito com maior entusiasmo até aquele momento e falou um pouco de seu método de criação.
Os dois começaram a falar sobre poesia, literatura e política. E eu ali, assistindo a um encontro inusitado e especial. Infelizmente, chegou a minha hora de trabalhar e deixei os dois enxugando uma garrada de uísque.
Essa história foi muito importante para mim, especialmente porque tive a oportunidade falar com um autor consagrado sobre estilo literário e escrita. Mas ele nem deve se lembrar de mim ou de nossa conversa. Mas essa é a nossa vida: o mesmo acontecimento pode significar tudo para uma pessoa e nada para outra.