Não sou exatamente um fanático por futebol. Torço moderadamente para o Corinthians, mas jamais vou brigar com alguém por causa de onze barbados jogando bola – como muitos fazem por aí. O esporte bretão não faz parte das coisas importantes da minha vida e não me leva, pelo menos nos últimos tempos, a arroubos emocionais em caso de derrota ou vitória do meu time.
Durante a semana em que Pelé morreu, me lembrei de um episódio de quando eu tinha treze anos de idade: eu fui santista durante uma hora. Isso, mesmo. Sessenta minutos como um garoto fanático pelo alvinegro da Vila Belmiro.
Era um feriado e resolvi pegar minha bicicleta para visitar um amigo, que era santista roxo. Ele estava grudado no radinho de pilha, ouvindo uma edição de esportes da Jovem Pan. Os dois comentavam que o Santos tinha contratado um novo técnico, Urubatão Calvo, e que ele iria recolocar o time nos trilhos.
Nunca tinha ouvido falar nesse técnico, mas eles disseram que ele tinha sido jogador pelo próprio Santos nos anos 1960 e poderia resgatar o brilho da era Pelé para a torcida santista. Nessa hora, o locutor anunciou que, às 13:00, Urubatão iria ser entrevistado pela equipe de jornalistas da Pan.
Meu amigo teve a ideia de ir até lá e pegar um autógrafo do novo técnico do Peixe. Eu não tinha muito o que fazer e resolvi acompanhá-los (o vizinho também torcia para o Santos). Pegamos um ônibus e fomos até à Avenida Paulista, onde ficavam os estúdios da rádio.
Nos anos 1970, o acesso aos prédios era completamente diferente do que ocorre hoje. Para entrar em um edifício comercial, é preciso apresentar documentos e se registrar. Em alguns casos, até baixar um aplicativo no celular para receber um QR code. Naquela época longínqua, porém, era só perguntar o andar e subir. Foi o que fizemos, com os dois amigos portando bandeiras com o escudo santista.
Chegamos ao andar da Jovem Pan e não havia ninguém para dizer que queríamos (ou melhor, meus colegas queriam) e ficamos ali no corredor. Algo que não ornava com o ambiente da emissora: três garotos com suas bandeiras esperando alguém passar. Finalmente isso aconteceu. Meu amigo disse que estávamos lá porque queríamos falar com o novo técnico do Santos, que seria entrevistado. O rapaz disse que iria chamar alguém e entrou na porta que dava para o estúdio.
Logo depois, veio um dos jornalistas e perguntou o que queríamos. Explicamos nosso plano e ele retrucou: Urubatão não viria ao estúdio; a entrevista seria feita pelo link de transmissão. Meus amigos ficaram super decepcionados e fizeram menção de ir embora. Mas o rapaz levantou as sobrancelhas e disse: “Não vão embora. Esperem um minuto”.
Ele voltou, então, com mais um dos jornalistas esportivos e ficaram confabulando a alguns metros de nós. Finalmente, eles vieram e disseram que um de nós poderia participar do programa e fazer uma pergunta para o Urubatão. Meus amigos amarelaram totalmente e, sem combinar, apontaram para mim e disseram: “Ele vai”.
Quando os dois rapazes da Jovem Pan se afastaram, eu lembrei a eles que torcia para o Corinthians e que não tinha a menor ideia da escalação do Santos. Em meia hora, tive um intensivão de Vila Belmiro até entrar no estúdio.
Lá dentro, foi uma experiência fabulosa. O local era moderníssimo para a época e pude ver como tudo funcionava, com uma sonoplasta colocando e retirando freneticamente cartucheiras com vinhetas que antecediam os assuntos e os comentaristas. Finalmente, Urubatão entrou no ar e o locutor disse:
– Urubatão, temos uma surpresa para você. Está aqui conosco um jovem torcedor do Santos. Garoto, quantos anos você tem?
– Treze.
– E qual é o seu nome:
– Aluizio.
– E o que você quer dizer ao Urubatão?
– Urubatão, como é que a gente pode ganhar de novo o Brasileirão, a Libertadores e o Mundial Interclubes sem o Pelé?
Foi uma confusão no estúdio, todos os comentaristas deram risada e me elogiaram. Urubatão deu uma resposta mais ou menos e eu fui devolvido aos meus amigos. Olhei para o relógio e tinha passado uma hora. Falei para os garotos:
– Agora é hora de voltar a ser corintiano.