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O dono da verdade, um fenômeno turbinado pela era digital

Podem existir outros por aí. Mas há três tipos mais comuns de donos da verdade.

Um é aquele que parece ter sido tomado pelo espírito da empáfia ainda na maternidade e cresceu com o rei na barriga. É o tipo de pessoa capaz de ser ferina com quem acabou de conhecer, desprezando as opiniões alheias mesmo sem saber quem são seus oponentes em qualquer tipo de debate.

Há outro representante dessa categoria – aquele que está dentro de uma bolha (digital ou não) e não recicla suas opiniões. Quando escuta algo diferente e que pode ser um questionamento de sua visão de mundo, surta e usa todo a agressividade verbal possível para fazer valer seu ponto de vista.

Por fim, temos aquele que é insuflado pelos grupos e se acostumou a ter a última palavra sobre tudo. Neste caso específico, os outros só servem para adular o ego dos professores de Deus e não têm permissão para falar – a não ser que seja para concordar.

Esses três tipos de sabe-tudo possuem uma característica em comum: acham que têm um conhecimento profundo em todos os assuntos comentados pela sociedade. Assim que surge um tema novo de discussão, o Google é acionado e essa ferramenta vira uma espécie de oráculo portátil. O dono da verdade especializado em tudo se manifesta em qualquer assunto: concentração de pessoas em uma motociata, efeitos da Covid-19 (ainda nos estágios iniciais da pandemia), todos os artigos da Constituição brasileira — e por aí vai.

Os donos da verdade estão distribuídos em vários quadrantes da sociedade. Na política, economia ou mesmo pessoas fanáticas pelo Big Brother Brasil. A falta de humildade atinge igualmente todas as classes sociais.

Muitas vezes, o dono da verdade é um líder. E, nesta condição, influencia várias pessoas a partir de suas ideias. Com as redes sociais, essas opiniões são espalhadas de forma exponencial, aumentando sua autoridade e alimentando o círculo vicioso.

A esse grupo soma-se outro – o dos intransigentes. Seguidores fanáticos que têm conceitos e valores à prova de contestação. Adotam aquilo que seus mentores dizem como verdades absolutas e não admitem discussão. Ao contrário de muitos influenciadores cheios de soberba, não têm condições de sustentar um debate e partem logo para a agressão pura e simples.

Ao mesmo tempo, percebe-se a existência de uma facção silenciosa. São indivíduos que no universo digital se comportam como voyeurs das opiniões alheias e ficam ao largo das discussões. Mas, em várias situações no mundo real, querem perguntar e ouvir o que os outros têm a dizer.

Essas são pessoas que atualmente estão desanimadas com a discussão política. Têm receio de aderir ao pragmatismo que insufla as principais categorias e torcem em silêncio pela aparição de um nome de Terceira Via que possa fazer frente a Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva – uma chance remota, que vai desaparecendo a cada dia que passa.

Os cidadãos que não querem se expor nas redes e esperam uma alternativa eleitoral são, geralmente, moderados ou idealistas de Centro. Possuem todas as ferramentas necessárias para um bom debate político. Mas não querem ser chamados de petistas ou de bolsonaristas, dependendo do interlocutor. Assim, na dúvida, preferem ficar calados e deixar aplausos e apupos para os demais.

Voltando ao fenômeno dos donos da verdade: as redes sociais podem criar uma falsa sensação de consenso para muitos destes influenciadores cheios de si. Navegando apenas em seus lagos virtuais, podem se espantar com as opiniões de quem está singrando em outras águas. Em seus mundos particulares, esses influenciadores podem viver uma realidade que talvez não seja igual à maioria dos cidadãos. Arthur Schlesinger, um dos gurus do falecido presidente americano John Kennedy, acompanhava este tema desde os anos 1960. Ele dizia: “Aqueles que acham ter o monopólio da verdade sempre sentem que estão salvando o mundo enquanto destroçam os hereges”.

Este é o problema da soberba. Sempre vem acompanhada de uma agressividade fora do comum. Essa cólera, no entanto, foi turbinada e anabolizada desde que inventamos as redes sociais – e o pior é que ainda há mais espaço para que essa raiva descontrolada cresça nos próximos anos.

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