Os mecanismos de streaming proporcionam a oportunidade de revermos filmes antigos e criarmos novas interpretações sobre histórias antigas. Ontem, revi o filme que deu notoriedade ao cineasta Steven Spielberg em 1975, o longa-metragem “Tubarão”, e percebi dois detalhes interessantes. O primeiro vale apenas para os nerds: trata-se da participação especial do escritor Peter Benchley, autor do livro que deu origem ao roteiro da película (ele faz um repórter de TV).
O segundo detalhe é que a primeira parte do filme pode ser interpretada como uma perfeita analogia ao cenário que enfrentamos na pandemia. O chefe da polícia local (Roy Scheider) está investigando mortes ocorridas nas praias e pede ajuda a um oceanógrafo (Richard Dreyfuss), que logo percebe que a praia local está sendo aterrorizada por um tubarão branco gigante.
Os dois rapidamente avaliam que é preciso fechar o acesso à praia, localizada em uma cidadezinha que tira seu sustento principalmente do turismo. Policial e oceanógrafo, então, vão ao prefeito, que se recusa a impedir o banho de mar. A justificativa é a de que a economia local precisa da renda gerada pelos turistas e que no dia seguinte seria o 4 de julho, um dos maiores feriados americanos.
Com as praias cheias e os turistas receosos de entrar na água, o prefeito incita um dos cidadãos locais a dar um mergulho com sua família. Dezenas de turistas acabam seguindo o exemplo e o movimento, evidentemente, traz o tubarão ao local, que acaba fazendo uma vítima. Somente depois do desastre acontecido é que as praias são interditadas e se tomam as providências para liquidar o predador marinho.
Temos, neste roteiro, os dois lados de uma equação semelhante à que vivemos durante a pandemia: a autoridade máxima (o prefeito) quer proteger a economia local e aqueles que seriam os representantes da ciência defendem o fechamento das atividades turísticas, acarretando prejuízo econômico. Em função da economia, o prefeito nega as evidências e usa outras informações para diminuir os argumentos contrários (no caso, um tubarão menor que havia sido capturado e anunciado como responsável pela matança de banhistas) e manter tudo como está. Somente diante das mortes trágicas é que as providências são tomadas e uma verba razoável é utilizada para combater de fato o problema (no script, a contratação de um caçador marinho, que iria matar o tubarão).
Esse filme é conhecido por uma cena que virou meme na internet. O caçador, o oceanógrafo e o policial embarcam em um pequeno barco para procurar o condricte. Até então, o espectador não tinha visto o tamanho do bicho. É numa tomada com Roy Scheider, no entanto, que vemos pela primeira vez a magnitude do animal. Scheider se mexe rapidamente, arregala os olhos e diz para o capitão: “You’re gonna need a bigger boat (“Você vai precisar de um barco maior”)”.
Esse meme é muito usado hoje em dia para mostrar a necessidade de um upgrade em qualquer situação (reza a lenda que a fala foi improvisada pelo ator). Talvez esse seja o nosso caso no combate à pandemia: precisamos de um barco maior. Talvez apostar somente na vacina não seja suficiente. Precisamos pensar em soluções alternativas para combater uma eventual terceira onda, que muitos especialistas acreditam estar próxima. Não podemos cometer o mesmo erro do ano passado, quando achamos que o pior havia passado e relaxamos. Os números atuais, bem maiores do que os do ano passado, mostram que deveríamos ter nos prevenido melhor. É o caso atual.
Necessitamos ser mais criativos nas soluções de combate à Covid-19. Não podemos nos dar ao luxo de passar por mais um lockdown – mas não podemos agir na base do “liberou geral”. É preciso convocar as nossas melhores mentes para um brain storm definitivo, que tente encontrar soluções originais e eficazes. Nem que seja encomendar um barco maior.
Uma resposta
QUE BOM QUE FOSSE SOMENTE UM TUBARÃO GIGANTE, E NÃO QUADRILHÕES DE MINÚSCULOS VÍRUS. E QUE FOSSE MESMO UM PREFEITO IDIOTA, E NÃO UM PRESIDENTE IMBECIL E SEUS LACAIOS ZUMBIS. MAS AÍ É OUTRO FILME.