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O futuro do presidencialismo no Brasil e o ajuste fiscal

Artigo publicado ontem pela economista Solange Srour, na Folha de S. Paulo, traz um comentário bastante pertinente. “Com o fim do chamado ‘presidencialismo de coalizão’ e com parlamentares protegidos por suas emendas impositivas, distribuir ministérios não será mais uma bala de prata. Vai ser necessário muita compreensão do cenário econômico e habilidade política para encampar o ajuste necessário com 2026 se aproximando”, escreveu a executiva do UBS Global Wealth Management.

De fato, desde que o chamado “orçamento secreto” foi criado com as emendas de relator, os parlamentares tiveram cada vez mais autonomia para destinar verbas a seus redutos eleitorais. Embora o mecanismo utilizado hoje seja diferente do original, essa prática continuou e proporcionou ao Congresso – e ao Centrão em particular – uma independência que só faz crescer.

É por isso que o governo federal tem em sua base partidos que são infiéis na hora de votar temas que são caros ao Planalto. No fundo, mesmo os oposicionistas mais ferrenhos terão como atender suas bases e ganhar pontos junto aos seus eleitores. Se isso ocorre com a oposição, o que dizer de quem apoia eventualmente o governo?

Alguém se lembra dos primeiros clubes de videocassete que surgiram no início dos anos 1980? Isso foi antes do surgimento das locadoras. Para pertencer a um grupo desses, o novo sócio tinha de contribuir com uma fita VHS para o acervo, chamada de “joia”. Os ministérios distribuídos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão em uma categoria parecida. São como as “joias” dos clubes de videocassete, que permitem ao Planalto o acesso aos parlamentares centristas. Mas isso não quer dizer, porém, que haverá uma fidelidade irrestrita por parte desses congressistas, assim como não se encontrava necessariamente um filme desejado disponível para locação em uma determinada data.

Neste cenário, votos nos plenários não serão mais obtidos simplesmente na base da distribuição de cargos e salários. Os parlamentares – especialmente aqueles das siglas mais conservadoras – sabem que estão sendo acompanhados de perto pelos eleitores. Por isso, vão pensar duas ou três vezes antes de trair o ideário de seu eleitorado, sob pena de linchamento na praça pública das redes sociais.

Dessa forma, existem alguns caminhos para convencer esse grupo de deputados e senadores a votar com o governo. Mas um deles é o apontado por Solange Srour em seu artigo: “compreensão do cenário econômico e habilidade política para encampar o ajuste necessário”.

Na prática, isso quer dizer que o governo deve se adaptar mais ao Congresso do que o contrário. E os parlamentares vêm passando a seguinte mensagem aos governantes: vamos baixar os impostos (com, por exemplo, a prorrogação da desoneração de 17 setores econômicos) e não permitir uma compensação tributária (MP 1227, devolvida ao Executivo). Diante disso, reduzir os gastos públicos pode ser algo a ser discutido seriamente pela administração federal.

Isso, porém, está longe de ser música para os ouvidos de Lula. Mas, ontem, o governo deu um sinal de que entendeu todos os sinais mandados pela sociedade. O ministro Fernando Haddad declarou que fará uma “revisão ampla, geral e irrestrita” das propostas existentes no MInistério para a redução de despesas estatais.

Haddad disse o seguinte: “Começamos a discutir 2025, a agenda de gastos. Nós vamos manter um ritmo mais intenso de trabalho neste mês, porque, em julho, começa a ser montada a peça orçamentária, e, em agosto, a peça é encaminhada ao Congresso Nacional. Estamos fazendo uma revisão ampla, geral e irrestrita do que pode ser feito para acomodar as várias pretensões legítimas do Congresso e do Executivo, mas sobretudo para garantir que tenhamos tranquilidade no ano que vem”.

O ministro foi além: “Gasto primário tem que ser revisto, gasto tributário tem que ser revisto e gasto financeiro do Banco Central, também. Quanto mais esses três gastos estiverem caindo, melhor para o país”. Talvez essa tenha sido a primera vez que alguém desta administração falou claramente em rever os despesas do Estado.

Resta agora saber se essa conversa é para valer ou se é um discurso para apaziguar os ânimos (se a decisão que prorrogou a desoneração perder a validade, por exemplo, em função da falta de recursos públicos, o governo em tese não precisaria cortar nenhuma despesa). O fato é que, pelo menos no campo das aparências, o governo pareceu ter entendido o Congresso, através dos presidentes das casas parlamentares, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

Na nova configuração de forças políticas, é preciso escutar mais os congressistas. E encontrar uma forma para acomodar a pauta social de Lula com os recursos disponíveis dentro de nossa economia. A teimosia em impor uma agenda ao Congresso e aos empresários só vai piorar a vida de todos no curto prazo. Ainda bem que Haddad estreiou o novo discurso, que estimulou a queda do dólar.

Os investidores, entretanto, estão ressabiados. Quanto tempo vai demorar para que a palavra do governo ganhe mais credibilidade? A cotação do dólar entre hoje e segunda-feira dará uma pista importante para decifrarmos os ânimos dos investidores e seu grau de confiança em Fernando Haddad.

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