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O inimigo da vaidade e das narrativas narcisistas

Podem me chamar de rabugento. Ou de mal-humorado. Ou de antiquado. Ou de tudo isso, junto e misturado. O fato é que estou fazendo um daqueles balanços de final do ano – e descobri que uma das coisas que mais me irritaram em 2023 foi justamente apreciar a vaidade alheia nas redes sociais. É óbvio que isso não se aplica a todos – mas há gente que consegue se mostrar perfeita em todos os aspectos da vida. Inevitável não lembrar de Fernando Pessoa: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada/ Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.

O pior é que isso é contagioso.

Volta e meia, me pego postando coisas do gênero, exaltando o hedonismo desenfreado ou conquistas que, indiretamente, mostrem minhas qualidades. Sempre tento não demonstrar o cabotinismo que tanto abomino nos outros. Mas, diante de um festival de perfeições, acabo capitulando e querendo mostrar um pouco de minhas qualidades. Quando faço isso, sinto-me envergonhado. Mas esse pudor dura pouco tempo, pois logo em seguida vejo uma desenfreada fogueira de vaidades na narrativa digital das redes sociais.

Ao pensar que algumas pessoas são narcisistas incontroláveis, me peguei raciocinando sobre o mito do egocentrismo. Segundo a mitologia grega, Narciso era filho do deus Cefiso com a ninfa Liríope e muito bonito. Certa vez, viu seu reflexo em um lago e ficou apaixonado por sua própria imagem. Mas se o tal mito fosse ambientado nos dias de hoje, o reflexo da imagem no lago seria substituído pelas postagens na tela do smartphone.

Para a maioria da sociedade, a vaidade extrema parece ser um pecado menor – e é levada, geralmente, na galhofa. Mas estamos falando de algo que, silenciosamente, pode influenciar o mais sábio dos indivíduos. É como disse o ex-presidente americano Franklin D. Roosevelt: “Nunca subestime alguém que se superestima”.

No meio desse meu inconformismo, mostrei alguns posts que considerei de uma imodéstia sem limites a um amigo. Ele me perguntou: “Mas será que eles são tão perfeitos assim?”. Respondi negativamente. Meu amigo, então, retrucou: “Temos aqui alguns fanfarrões metidos a besta. Por que isso te incomoda tanto?”.

Demorei para responder e cheguei à conclusão de que poderia haver duas explicações para o meu comportamento.

A primeira: talvez eu secretamente queira falar bem de mim e não consigo fazer isso. Assim, fico inconformado quando vejo alguém se exibindo com tanta desfaçatez nas redes sociais, sem o menor pudor.

Em segundo lugar, talvez seja por desprezar, desde a infância, quem precise falar bem de si mesmo. Essa foi uma lição que aprendi com meu pai, ouvindo-o conversar com os amigos e detonar aqueles que eram exibicionistas.

Será que essas reflexões são verdadeiras? Existe outra razão para que eu fique tão irritado? Prometo investigar isso melhor ao longo do ano que vem.

Perdido entre a revolta, a dúvida e a incredulidade, volto a Fernando Pessoa e aproveito para publicar o final do “Poema em Linha Reta”, que reproduzi no início desse texto: “Argh! Estou farto de semideuses/ Argh! Onde é que há gente? Onde é que há gente no mundo?”.

Será que o poeta obteve uma espécie de máquina do tempo e viu o que nos aguardava nas redes sociais deste ano de 2023?

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