O maniqueísmo é uma abordagem recorrente no mundo artístico – e, em especial, no cinema. Contrapor o bem e o mal é um dos melhores elementos de catarse e funciona perfeitamente em quase cem por cento dos casos. As pessoas costumam sair do cinema de alma lavada quando o mocinho, apesar de todas as intempéries, consegue derrotar o vilão (ou os vilões) ao final de uma película. Um dos maiores blockbusters dos anos 1980, “The Karate Kid”, segue essa fórmula. O sucesso foi tão grande que rendeu duas sequências na telona (além de um quarto episódio sem Ralph Macchio, o ator que estrelou o início da série, além de um “reboot” com Jaden Smith, filho do astro Will Smith).
“Karatê Kid” também é uma ode à superação do indivíduo comum que se dedica à rotina árdua de treinos e consegue sua redenção com a vitória nos instantes finais. Neste aspecto, é uma obra que guarda enormes semelhanças com “Rocky, um Lutador”. O que esses filmes têm em comum? O mesmo diretor, John G. Avildsen (há vários planos e enquadramentos bem parecidos entre o primeiro “Karatê” e o “Rocky” inicial).
A oposição entre bem e mal, em Holywood, é algo muito simples de fazer. É só personificar a maldade em alguém (ou um grupo) com alguns clichês facilmente reconhecíveis e que causem repulsa à plateia. No mundo real, a coisa não é tão simples. O maniqueísmo existe, por exemplo, nas redes sociais. Mas os dois lados da equação acreditam piamente que são os representantes do bem e ninguém se enxerga como vilão.
Na vida de fato, são raros os casos em que se pode dizer que alguém é totalmente mau ou bom. As pessoas são caldeirões nos quais influências do meio ambiente, experiências passadas e comportamentos ditados pela genética são misturados em fogo brando, gerando fórmulas intrincadas e difíceis de decifrar.
Neste aspecto, a série “Karatê Kid” difere totalmente de seu spin-off, o seriado “Cobra Kai”, que está na quarta temporada. Para quem viveu os anos 1980, é um prato cheio – pois conta com todos os atores que participaram dos filmes originais (menos Pat Morita, o sr. Miyagi, que faleceu em 2005). “Cobra Kai” apresenta a história dos personagens dos três filmes nos tempos atuais. Mas os papéis se invertem no século 21. Daniel LaRusso (Ralph Macchio, o rapaz fracote que vira campeão de artes marciais) era pobretão e vira um empresário de sucesso; Já Johnny Lawrence (William Zabka), seu rival, era um adolescente riquinho e se torna um adulto que sobrevive à base de bicos, sem grandes perspectivas de vida.
A rivalidade entre os dois permanece viva mesmo depois de muitos anos. Mas, através de flashbacks, entendemos melhor o personagem de Zabka, pintado anteriormente como um praticante de “bullying” irresponsável e de caráter duvidoso. Mesmo o maior vilão desta franquia, o sensei John Kreese (Martin Kove) – que continua um osso duro de roer no seriado – tem suas origens explicadas e é possível entender a trajetória que o levou a ser alguém tão malvado.
“Cobra Kai” leva a narrativa de “Karatê Kid” ao mundo real, com todas as suas contradições e fraquezas (mesmo o certinho LaRusso é visto em diversas situações nas quais está longe de ter razão). O seriado tornou-se um sucesso pela Netflix também por incorporar um elenco jovem e carismático, com histórias paralelas às dos mais velhos. Trata-se de uma bela mostra de nossa época e dos conflitos de geração do século 21. A quarta temporada encerra-se de forma surpreendente, abrindo enormes possibilidades de enredo para a quinta etapa.
Mal posso esperar pelos próximos episódios.