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O primeiro disco de Cartola, um assunto de família

“Doodle” é um neologismo que define o logotipo customizado do Google para uma data específica. Anteontem, esse logo diferente entrou em ação: foi a comemoração do 115º aniversário de Agenor de Oliveira. Não está ligando o nome à pessoa? Talvez o apelido dele traga alguma luz. Seu Agenor, na verdade, era chamda de Cartola, foi fundador da escola de samba Mangueira e é considerado um dos maiores compositores brasileiros. Entre suas obras-primas, está “As Rosas não falam”, imortalizada pela voz de Beth Carvalho em 1976.

Essa canção, como várias músicas famosas, tem uma inspiração inusitada. Dona Zica, esposa do compositor, ganhou mudas de rosas e as plantou. Depois de um dia, os botões das flores começaram a desabrochar. Ela chamou o marido e perguntou: “Por que é que nasceu tanta rosa?”. Cartola respondeu: “Não sei, Zica. As rosas não falam!”. Na hora, ele percebeu que tinha um verso incrível na mão – e desenrolou o resto da canção a partir dessa ideia.

Parece brincadeira, mas Cartola nunca tinha gravado um disco até os 66 anos de idade.

Seu primeiro álbum, lançado em 1974, surgiu por decisão do meu pai, na época diretor artístico de uma gravadora. Tudo começou com o produtor musical João Carlos Botezelli, mais conhecido como Pelão (na imagem, com Cartola), que tinha um projeto de gravar sambistas dos morros cariocas que nunca haviam entrado em um estúdio. Seu primeiro projeto foi com Nelson Cavaquinho. O segundo seria com Cartola.

Do final dos anos 1960 a meados da década de 1970, meu pai foi sócio de um bar chamado Jogral, no qual grandes nomes da música brasileira se apresentaram. Foi nesse bar que Pelão encontrou meu pai, se ajoelhou em frente a ele e pediu para gravar um disco dedicado a Cartola. O Aluizio Falcão pai retrucou: “Nós dois estamos bêbados e é melhor não tomarmos grandes decisões neste estado”.

No dia seguinte, porém, meu pai observou o orçamento da empresa e viu que as contas absorveriam a produção de um disco com o fundador da Estação Primeira de Mangueira. Teve uma reunião com Pelão e deu o sinal verde.

Essa história é contada pelo próprio Pelão, que foi para o andar de cima dois anos atrás, em um documentário intitulado “Cartola – Música para seus olhos”, dirigido por Hilton Lacerda e Lírio Ferreira e lançado em 2007.

Um amigo meu, Leandro Castilho, foi ver esse filme com a namorada. A sessão acabou e os dois começaram a conversar sobre o que viram. Seguiu-se, então, o seguinte diálogo:

– Que bacana! Seu amigo Aluizio Falcão produziu o primeiro disco do Cartola.

– Não, foi o pai dele. Nessa época, o Aluizio devia ter uns onze anos.

– Ué, por que não pode ser ele? Você não vive dizendo que ele é genial?


P.S. 1: Perdoem-me a falta de modéstia em contar essa passagem com o Leandro.

P.S. 2: Prestem atenção na letra espetacular de “As rosas não falam”:

“Bate outra vez

Com esperanças o meu coração

Pois já vai terminando o verão

Enfim

Volto ao jardim

Com a certeza que devo chorar

Pois bem sei que não queres voltar

Para mim

Queixo-me às rosas

Que bobagem as rosas não falam

Simplesmente as rosas exalam

O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir

Para ver os meus olhos tristonhos

E, quem sabe, sonhavas meus sonhos

Por fim

Bate outra vez

Com esperanças o meu coração

Pois já vai terminando o verão

Enfim

Volto ao jardim

Com a certeza que devo chorar

Pois bem sei que não queres voltar

Para mim

Queixo-me às rosas

Que bobagem as rosas não falam

Simplesmente as rosas exalam

O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir

Para ver os meus olhos tristonhos

E, quem sabe, sonhavas meus sonhos

Por fim

Devias vir

Para ver os meus olhos tristonhos

E, quem sabe, sonhavas meus sonhos

Por fim”

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