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O que a vitória de Fernanda Torres pode nos ensinar

A vitória de Fernanda Torres no “Globo de Ouro” gerou uma espécie de comoção nacional no dia de ontem. Tornou-se o principal assunto da segunda-feira e algumas pessoas comemoram o triunfo como se fosse uma final de Copa do Mundo.

O troféu de Fernanda Torres tem um sabor especial para sua família. Fernanda Montenegro, sua mãe, subiu ao mesmo palco em 1999 para receber, em nome dos produtores, a estatueta de melhor filme estrangeiro, com “Central do Brasil”. “Ainda Estou Aqui” é do mesmo cineasta, Walter Salles, e baseado em livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva.

Essa vitória pode nos ensinar algumas coisas. Em primeiro lugar, deve nos ajudar a deixar a polarização política de lado. O enredo é baseado no que aconteceu com a família do escritor após a prisão e desaparecimento de seu pai, o deputado Rubens Paiva – mas nem o livro nem o filme produzem narrativas panfletárias.

O foco está na figura de Eunice Paiva, uma mulher que manteve o núcleo familiar unido apesar de inúmeras dificuldades, como o acidente que deixou o filho Marcelo tetraplégico em 1980. Eunice, já adulta, tornou-se advogada e representou várias vítimas de perseguição política pela ditadura militar, além de sempre lutar pelo reconhecimento de que seu marido havia sido morto em centros de tortura mantidos pelas forças armadas.

Marcelo Paiva tinha todos os motivos do mundo para produzir um texto vingativo e rancoroso. Mas o resultado é uma história sensível, que capturou com perfeição o espírito pragmático e carinhoso de Eunice: uma lutadora que colocava a família em primeiro lugar. Essa é a pegada do longa metragem de Salles, que deu a Fernanda Torres uma chance para explorar todo o seu talento artístico.

Aqui vale um parêntese: estudei na faculdade com Marcelo e posso atestar que ele nunca foi um radical, embora tivesse vários amigos da Libelu, uma tendência trotskista do movimento estudantil da época. Marcelo, nesta época, se mostrava uma pessoa leve e bem-humorada – algo dificílimo para quem teve seu pai morto pela ditadura e foi confinado a uma cadeira de rodas permanentemente.

Os estrangeiros, daqui para frente, verão em Fernanda Torres uma atriz dramática de primeira estirpe, como sua mãe – mas não têm a menor noção de que ela é uma das melhores comediantes que já surgiram no Brasil. Sua atuação nas séries “Os Normais” e “Tapas & Beijos” é absolutamente impagável e inesquecível.

Esse prêmio, ainda, pode nos ajudar a perceber que precisamos investir em cultura no Brasil. Durante muito tempo, a polarização criou um embate entre artistas e um segmento da sociedade. Precisamos deixar essas diferenças de lado, pois um país não pode evoluir sem ter um forte embasamento cultural. Criou-se uma falsa convicção na direita brasileira de que a valorização da cultura leva fatalmente a uma orientação política esquerdista. Isso não é verdade. Há pessoas cultas de esquerda, centro e de direita. Assim como há ignorantes de todas as orientações ideológicas. O debate político, no entanto, ganha novas cores quando realizado por pessoas que sabem argumentar e têm conhecimento para isso.

A conquista de Fernanda Torres também comprova que é possível superar certas barreiras para conquistar o sucesso. No caso desta atriz, a vitória era quase impossível, pois a barreira da linguagem é algo dificílimo de ser superado.  Como capturar as nuances de fala, as sutilezas faciais e a sinais de linguagem corporal quando os olhos do espectador estão voltados para as legendas?

O talento da brasileira, no entanto, conseguiu conquistar uma legião de eleitores que, aparentemente, contava com uma de suas concorrentes, a atriz britânica Tilda Swilton, que vibrou genuinamente com a vitória da protagonista de “Ainda Estou Aqui”.

Por fim, a fase final dessa história nos mostra o quanto é doloroso ver um ente querido ser tragado por uma doença como o Mal de Alzheimer. Mas, para melhor explicar isso, destaco um trecho de um depoimento dado por Marcelo Paiva à revista Veja:

“O período entre o diagnóstico e a morte de alguém com Alzheimer é chamado de ‘o longo adeus’. Os sintomas começam, e a gente nem desconfia do desfecho. ‘É normal, coisa da idade’, pensava. Mas aí, com o tempo, vêm os degraus da doença, um atrás do outro. Os sentidos se deterioram, assim como a capacidade de locomoção, de reconhecer as pessoas, de se comunicar. O primeiro alerta foi quando minha mãe, administradora das finanças dos filhos, passou a ter dificuldades para fazer contas simples. Em seguida, ler o jornal virou um desafio. Houve uma vez em que ela cismou que a televisão estava quebrada e saiu para comprar uma nova. Logo esqueceu o que havia feito, voltou à loja e levou mais uma. No fim, ficou com três aparelhos. Justo ela, que abominava TV e limitava as horas em que eu e minhas quatro irmãs ficávamos na frente da tela. Seu negócio eram os livros”.

No fundo, encarar essa situação sem rancor e com paciência é uma das maiores lições que um ser humano pode aprender. Por isso, tanto o livro como o filme valem muito a pena.

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