Cruzava com Jô Soares frequentemente no prédio da Editora Abril. Sempre muito educado, cumprimentava todos que encontrava e puxava assunto com quem estivesse próximo. Conversamos apenas uma vez. Ele estava acompanhado do diretor de arte da revista Veja, Píndaro Camarinha, e ficamos falando durante uma meia hora, sobre um episódio que havia ocorrido na redação de EXAME. Jô tinha uma coluna em Veja e, por isso, volta e meia passava no edifício da Marginal Tietê que abrigava a empresa então dirigida por Roberto Civita.
Era a personificação de um fenômeno que cerca artistas e celebridades: você batia o olho nele e já se achava amigo, pois o acompanhava há tempos na televisão e em outros meios de comunicação. O primeiro programa que assisti com ele foi na TV Record, chamado “Família Trapo”, cujo nome foi claramente tirado da Família Von Trapp, do filme “A Noviça Rebelde”. Fazia o papel de um mordomo atrapalhado, Gordon, que vivia criando confusões com seus colegas de cena, Otelo Zeloni e Ronald Golias. Depois, já na Globo, estrelou vários humorísticos, sempre baseados em bordões que caíam no gosto popular (“Tem pai que é cego”, “Você não quer que eu volte” e “E pensar que eu saí de dentro dela” são alguns exemplos).
Quando deixou o elenco global, teve a coragem de experimentar uma carreira nova. Aqui está a primeira lição importante da qual todos podem desfrutar. Era um comediante famoso – talvez o maior do Brasil – e ganhava um salário astronômico. Mas condicionou sua troca de emissora à possibilidade de fazer um talk-show, ao gênero Johnny Carlson, nos finais de noite. Começava, então, o “Jô Soares Onze e Meia”, que nunca começava no horário, mas sempre gerava comentários no dia posterior, dada a qualidade das entrevistas.
Alguns anos depois, vem a lição número dois: inquieto, resolveu escrever um livro. “Xangô de Baker Street” foi um sucesso absoluto, ficando semanas e semanas no topo da lista dos best-sellers do país.
Voltou à Globo com seu programa de entrevistas. Anos depois, ainda conduzia colóquios espetaculares. Mas, às vezes, falava mais que o entrevistado. Ou fazia piadas sem graça. Percebeu que estava perdendo o fôlego criativo e, quando soube que o programa iria acabar, agiu com grande dignidade e preparou o caminho para seu substituto. Mais uma lição preciosa.
Jô não hesitava em abrir novas portas e buscar desafios. Trata-se de um exemplo impressionante de criatividade e coragem profissional.
Para os mais jovens, talvez seja difícil entender a importância do programa de Jô Soares e de sua influência no andar de cima. Talvez uma historieta que tem Luciano Huck como protagonista ajude a entender o quanto o programa do Gordo era relevante para construir a imagem de alguém.
Era a década de 1990 e Huck trabalhava como colunista social no extinto Jornal da Tarde, além de ser sócio em um bar badalado, chamado Cabral. Via um grande potencial em sua carreira e não estava errado. Mas precisava aparecer para os formadores de opinião. Como fazer isso? Foi quando teve a ideia de escrever um e-mail (ou carta, não lembro mais) para a produção do Jô e propor que ele fosse entrevistado. Só que deixou o rascunho de sua proposta no arquivo geral do sistema da redação – e todos os jornalistas puderam ler o texto. Com o preconceito típico que repórteres e editores têm relação aos colunistas sociais, aquela missiva foi alvo de galhofa e houve um consenso de que – em função daquela mensagem – Huck jamais seria chamado para uma entrevista.
Só que, na semana seguinte, lá estava ele no “Onze e Meia”. Foi quando chamou a atenção de diretores de televisão que o chamaram para fazer testes de câmera. Algum tempo depois, ele estrearia na TV Bandeirantes, com grande sucesso – e dali para a Globo, onde está até agora. Este singelo episódio mostra a força de Jô Soares como comunicador e formador de opinião.
Uma perda inestimável para a cultura brasileira, Jô continua imortal na Internet, com personagens impagáveis e entrevistas espetaculares. Que ele descanse em paz.