Lidar com a derrota é um das maiores desafios do ser humano. A sensação de impotência e de frustração após perder uma disputa é amarga, especialmente se não competimos diretamente em uma disputa. No caso de uma eleição, por exemplo, nós nos envolvemos, torcemos e apoiamos – mas não somos aqueles que têm o nome estampado na cédula eleitoral. Nesta situação específica, quando perdemos, o desapontamento é agudo. Não tivemos nenhuma ingerência sobre a campanha ou o discurso do candidato, mas sofremos juntos com ele a derrota e não há nada que podemos fazer a respeito.
O sentimento que invariavelmente surge neste processo é o ressentimento. E, ao lidarmos com a mágoa, começamos a experimentar algo parecido com as cinco fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. A negação, porém, dura segundos, seguida pela raiva. A fase de barganha é aquela na qual tentamos formular teorias para explicar a derrota (a tese de fraude nas urnas, por exemplo, é típica dessa etapa), mas dá lugar ao abatimento. Por fim, aceitamos o resultado.
Os quatro primeiros períodos, que podem ocorrer em um único dia, compõem uma espécie de inconformismo, que pode gerar um ressentimento mal curado. Petistas e psolistas, por exemplo, sentiram o azedume do fracasso em outubro. Os eleitores e simpatizantes de Kamala Harris experimentaram o mesmo amargor nesta semana.
Mas, em alguns casos, o ressentimento pode ser um estímulo futuro para campanhas bem-sucedidas. Nesta semana, o escritor David Brooks, autor do livro “Bubos no paraíso”, escreveu um artigo para o New York Times que faz uma análise arguta sobre a vitória de Donald Trump. “Bubos” é uma gíria americana para “burgueses boêmios” – um tipo de eleitor que foi a grande base para as eleições de Bill Clinton. O autor é um observador sensível da cena política americana e tem uma explicação interessante para o comportamento de Trump.
“Enquanto a esquerda se voltava para a arte performática identitária, Donald Trump entrou na guerra de classes com os dois pés. Seu ressentimento nascido no Queens pelas elites de Manhattan se encaixou magicamente com a animosidade de classe sentida pelas pessoas que moram nas zonas rurais em todo o país. Sua mensagem era simples: essas pessoas traíram vocês”, escreveu Brooks.
A visão do escritor americano casa com a interpretação do economista Simon Johnson, um dos três vencedores do prêmio Nobel de economia. Os eleitores americanos se ressentiram com os democratas e aderiram fortemente à proposta de Trump, especialmente setores que tradicionalmente votavam em candidatos azuis, como latinos e negros.
Portanto, o ressentimento, algo que tipicamente surge da derrota, pode ter seu lado bom – e ser um combustível essencial para a vitória de alguns personagens, como Donald Trump.