Um editorial do jornal “O Estado de S. Paulo” neste feriadão me chamou a atenção pelo título: “O problema dos smartphones em escolas”. O texto põe o dedo em várias feridas. Mostra que o aparelhinho pode estar por trás de vários transtornos mentais que acometem os jovens há pelo menos uma década; que o uso contínuo da geringonça é uma causa provável de depressão e ansiedade entre a garotada; e é o veículo através do qual se realizam os incidentes virtuais de assédio e de bullying. Além de tudo isso, o celular também é responsável pela “intensa distração” que existe hoje nas salas de aula – o que prejudica fortemente o ensino entre os alunos.
A solução, segundo o articulista do Estadão: “é crucial que pais, professores e diretores cooperem para traçar e implementar os limites apropriados” no uso do smartphone nas escolas. A conclusão: “conexões online não substituem a interação humana”.
De fato, minha filha adolescente sempre diz que há muitos colegas que utilizam o celular no meio da aula quando se sentem entediados, apesar da proibição expressa da escola em relação ao uso desses aparelhos no meio das aulas. Segundo ela, alguns professores são rígidos e outros fingem não ver o que ocorre diante dos olhos de todos.
Mas a frase do editorial continuava a ribombar em meu cérebro: “é crucial que pais, professores e diretores cooperem para traçar e implementar os limites apropriados”. Em tese, isso quer dizer que os adultos estão em condições de brecar o uso indiscriminado dos smartphones no ambiente escolar.
Será que isso é verdade?
Talvez não. A verdade é que nós, adultos, estamos tão viciados nesses celulares como nossos filhos.
Lembro que, muitos anos atrás, tive que dar uma palestra às 18:00 para um público que estava naquele auditório desde às oito horas da manhã. Era um painel e eu seria o terceiro a falar. Havia um sujeito na primeira fila que estava dormindo. Não estava bocejando, nem meneando a cabeça: o rapaz dormia, com a cabeça caída para trás. Meus dois colegas de painel não se importaram, mas eu não me conformei. Na minha vez, comecei a falar bem alto e usei uma varetinha para bater na bancada algumas vezes. Azucrinei aquele sujeito e não o deixei dormir. Ele começava a pescar e eu aumentava a voz, olhando só para ele. No final, deu certo.
Esse problema, porém, quase não acontece nos dias de hoje. Mas há outro fator determinante para que se tire a atenção do público que vai a seminários: mesmo a melhor das palestras conta com um número razoável de pessoas consultando o celular. Essas pessoas acham que estão ouvindo o speech e guardando tudo na cabeça, enquanto manuseiam aplicativos ou leem e-mails ou mensagens de WhatsApp. Newsflash para essas pessoas: a boa intenção é bem-vinda, mas pouquíssimas pessoas têm essa habilidade de prestar atenção em duas coisas ao mesmo tempo. As chances de você, que lê esse texto, não ser essa pessoa é enorme.
E o que vemos com frequência em restaurantes? É comum observar famílias de quatro pessoas sem trocar uma só palavra entre si, todas completamente absortas em seus smartphones. Nessas horas, me lembro de daquele quadro fotografado em um restaurante espanhol ou argentino (não me lembro exatamente – será que estava com a atenção dividida entre o celular e algo do mundo real?): “Não temos wi-fi: conversem entre vocês”.
E em reuniões de trabalho? Todos – eu incluído – consultam os celulares no meio da conversa. Isso mostra o quanto estamos dispersos, sem condições de exercer uma total concentração em relação ao que ocorre na nossa frente.
O mundo digital é mais dinâmico e atraente, além de afastar instantaneamente a monotonia e o aborrecimento. Por isso, a tentação de apertar o botão que acende a tela de nosso smartphone é enorme.
O site Electronics Hub fez um levantamento mundial e chegou à conclusão de que, em média, um brasileiro fica, diariamente, 9 horas e 32 minutos consultando as telas de seu smartphone. O Brasil, neste quesito, perde apenas da África do Sul, cujos cidadãos usam, em média, seu aparelho seis minutos a mais que os brazucas.
Talvez, diante de tudo isso, precisemos fazer uma desintoxicação digital antes de exigir que nossos filhos desliguem seus smartphones na escola. Se exigirmos deles algo que não conseguimos fazer, seremos hipócritas – e corremos o risco de ouvir isso de nossos rebentos, que pertencem a uma geração que não tem papas na língua.
E você? Acha que deveria usar menos o seu celular?