Filmes bons são aqueles que nos obrigam a pensar. Os créditos começam a rolar na tela e a cabeça continua sintonizada naquela história que acabou de se encerrar. Nessas horas, ficamos em uma espécie de letargia, aquele inconformismo de perceber que uma narrativa tão boa chegou ao fim. Este foi o sentimento que me veio quando “A Filha Perdida” acabou. O filme (imagem), dirigido por Maggie Gyllenhaal e baseado em livro de Elena Ferrante, provoca reflexões em diversos momentos e surpreende pela condução da diretora. Trata-se de uma produção americana. Mas a impressão é a de que se está diante de uma película europeia, com enquadramentos que fogem ao lugar comum e apresentando uma forma original de inserir a trilha sonora em diversas cenas dramáticas.
É possível gastar algumas horas falando apenas deste filme. Mas há, bem no meio do enredo, uma frase que merece atenção especial. Um determinado personagem diz o seguinte (ou algo muito parecido): “Quando se suprime a dúvida, se instala a tirania”.
Essa é uma daquelas frases que eu gostaria de ter escrito.
Repetindo: “Quando se suprime a dúvida, se instala a tirania”. Parece ser uma sentença forjada para os dias de hoje, quando o debate é abatido sempre por certezas vindas dos dois lados de uma discussão.
Buscar a dúvida é colocar o cérebro em funcionamento para encontrar respostas. Infelizmente, quando partimos para uma discussão na atualidade, vemos que as respostas já estão prontas antes mesmo das perguntas. É como se a nossa mente já tivesse sido mapeada, dividida e conquistada por convicções absolutas.
A dúvida é o ponto de partida do conhecimento. Aquilo que move cientistas e filósofos. Gente que busca a sapiência, presente em números e palavras – ou simplesmente nos elementos da natureza.
Os sinônimos da palavra “dúvida” geralmente têm conotações negativas: incerteza, indefinição, hesitação, vacilação ou insegurança. Ninguém quer, no meio de uma reunião de trabalho, dizer: “Tenho dúvidas a respeito do que fazer”. Possuir dúvidas, em nossa sociedade, é algo que pode manchar nossa reputação ou mesmo nos levar a uma avaliação ruim. Quem não possui certezas, inclusive, pode ser percebido como um incompetente.
Por outro lado, a dúvida é a única ferramenta que pode nos levar ao caminho certo. Podemos ser enganados pelas nossas emoções, nossa intuição ou mesmo pelas nossas avaliações racionais diante de uma decisão a tomar. A dúvida é a única forma de nos forçar a uma investigação ou mesmo ou a esticar uma reflexão que parece ser inconveniente naquele momento.
Já tomei uma decisão errada alguns anos atrás. E percebo hoje que fiz a escolha equivocada porque me deixei levar pelas emoções. Se tivesse investido meia hora de meu tempo para pensar melhor em toda a situação, chegaria a uma conclusão óbvia – a de que aquela proposta de negócios era uma tremenda roubada. Mas, cego pelos sentimentos, escolhi um caminho tortuoso, sacolejante e cheio de espinhos. Paguei o preço por não ter refletido mais sobre este assunto.
A dúvida, portanto, não é necessariamente ruim. Mas, para nosso próprio bem, não podemos viver à mercê de seus caprichos. Alguém que é refém das dúvidas leva uma vida hesitante e atribulada. Isso não é exatamente o que as pessoas precisam em seu cotidiano.
Mas, ao mesmo tempo, precisamos da dúvida para estabelecer um elo com a busca pela verdade. Ou pelo conhecimento. Ou, na pior das hipótese, para não perdermos a batalha para a tirania das ideias.