Leio diariamente vários colunistas e dedico especial atenção àqueles com os quais discordo com frequência. A maioria das pessoas prefere buscar textos que ressoem seus próprios pensamentos – ou colunas que revelem ideias que você ainda não teve, mas poderia ter. Eu, porém, possuo interesse pelo contraditório. Por à prova os meus próprios conceitos. Navegar pelos argumentos que desafiam meu cérebro.
Muitos chamam isso de masoquismo. Eu prefiro achar que é curiosidade intelectual.
Uma dessas articulistas é Mariliz Pereira Jorge. Muitas vezes discordo daquilo que ela escreve, embora a respeite profissionalmente. Mas, nessa semana, ela tocou em um ponto importantíssimo em sua coluna de quarta-feira na Folha de S. Paulo. Ela revelou sua dependência a um medicamento que combate a insônia – e é muito eficaz.
Ela escreveu o seguinte: “Sou viciada em zolpidem, o remédio que virou pauta nas redações, assunto nas redes sociais, no WhatsApp, em qualquer mesa de jantar. Conheço uma dúzia de pessoas que usa, parte delas com acompanhamento médico, outra, brincando de roleta russa. Tenho experiência nos dois grupos. [..] Falava para mim mesma, quando quiser, eu paro. Pois é. De fato, no início, eu tomava uma meiota do comprimido e nos finais de semana deixava o sono chegar naturalmente. Mas ao menor sinal de dificuldade para dormir, minha mão seguia sorrateira até a gaveta da mesinha de cabeceira. Pronto. [..] O zolpidem passou a ir para cama comigo todas as noites, se estou cansada, de férias, alegre, de pileque. Não consigo dormir sem me drogar. Ao apagar a luz, o modo zumbi é ativado e só se desarma com um comprimido inteiro”.
Antes de mais nada, é preciso de muita coragem admitir o vício em remédios. Muita gente abusa do uso de drogas legais – com todos os efeitos colaterais que esse hábito traz – mas são poucos os que admitem isso e querem sair do círculo vicioso. Além disso, o texto de Mariliz vai ajudar milhares de pessoas que estão nessa situação e acham que estão sozinhas nessa situação.
No ambiente executivo, são vários que usam Zolpidem. Também temos aqueles que abusam de ansiolíticos como Rivotril, Frontal e Valium (para aqueles que são old school). Ainda existem aqueles que usam remédios contra transtorno e déficit de atenção e hiperatividade, como Venvanse, para manter o foco e a concentração.
Não há nada de mal em buscar ajuda química para fazer um “jump start” em alguma atividade à qual temos dificuldade de realizar. O problema é o uso dessas substâncias como se não houvesse amanhã (caso de Mariliz e milhares de anônimos – incluindo amigos que cultivam essa dependência e você jamais desconfiou).
Compreendo perfeitamente o que leva as pessoas ao vício involuntário.
Em um determinado momento, somos vencidos pelo cansaço de enfrentar sozinhos algum problema de ordem física. No meu caso, sofri o desgaste da cartilagem dos quadris por conta da prática excessiva de corridas de rua. Primeiro, o quadril direito sofreu com esse problema, com o fêmur batendo diretamente nos ossos pélvicos. Uma dor inacreditável. Fiz uma operação e coloquei uma prótese – mas sabia que teria de fazer a mesma coisa com o lado esquerdo. Ao final de 2021, as dores vieram. E comecei a tomar quantidades industriais de analgésicos. Além disso, a dor somente cedia com a ingestão do antialérgico Voltaren. Tomei tantos comprimidos de Voltaren que poderia ter me tornado sócio da Novartis, apesar de saber dos riscos que esse remédio pode trazer ao fígado e os rins. Mas, na hora do desespero, nada disso importa. A única coisa em que pensamos é acabar com a dor.
É por isso que muitos acabam se viciando em analgésicos. Em alguns casos, acabam até morrendo, como o cantor Prince, que sofria também do mesmo problema que eu (desgaste na articulação dos quadris), e exagerou no uso dos opiáceos.
Felizmente, fiz a segunda cirurgia e não senti mais aquelas dores lancinantes. Mas a experiência me fez compreender plenamente o que ocorre no corpo de quem se vicia em drogas legais.
Se você está passando por essa situação, faça como Mariliz Pereira Jorge. Admita seu problema (não precisa ser para todo mundo, como ela fez) e procure ajuda. Essa é uma batalha que ninguém ganha sozinho. Somente se resolve essa questão com muito foco, persistência – e o auxílio de um médico.
Uma resposta
Mto válido esse comentário sobre o que foi publicado pela Mariliz!