O Brasil é um país curioso, pois funciona muitas vezes na base do oito ou oitenta. Tome-se como exemplo a chamada Lei Seca, vigente desde 2008. Contávamos com uma legislação anterior bastante rígida, com parâmetros mais restritivos que os aplicados nos Estados Unidos. Os limites anteriores já seriam suficientes para evitar acidentes de trânsito decorrentes de embriaguez. Mas, mesmo assim, implantou-se quinze anos atrás uma legislação que não permite o consumo de uma só gota de álcool a quem dirige algum veículo automotivo.
Defensores dessa lei dizem que somente assim é possível combater os excessos. Se isso é verdade, então dificilmente os brasileiros irão evoluir como cidadãos. Se precisamos de regras rígidas para respeitar a lei é porque alguma coisa está errada conosco. Mas a questão é mais complicada: não precisamos de rigor nas regras e sim no cumprimento delas. O Brasil precisa punir exemplarmente aqueles que desobedecem às leis. Mas como contamos com regras mal redigidas, que dão abertura a inúmeros recursos, a impunidade corre solta por aqui.
Mesmo os parâmetros da Lei Seca, que são aplicados sem dó nem piedade, podem gerar distorções no sistema.
Tome-se o exemplo de um amigo que passava na sexta-feira passada na avenida Epitácio Pessoa, no Rio de Janeiro (aquela que emoldura metade da Lagoa Rodrigues de Freitas). O sistema de bafômetro no Rio de Janeiro é composto de policiais e de voluntários que são parentes de vítimas de acidentes do trânsito causados por motoristas embriagados. Além disso, as autoridades têm câmaras em seus uniformes que registram tudo o que acontece. Ou seja, a possibilidade de algum bêbado se safar é igual a zero.
Ocorre que, na estrutura em que se monta para o bloqueio de automóveis e exame do hálito de motoristas está um batalhão de pessoas que acompanha a operação. Ao descer de seu carro, o condutor é abordado por esses sujeitos, que se apresentam como motoristas (sacudindo as carteiras de habilitação) e representantes de despachantes.
Eles orientam, aos gritos, para que o motorista se recuse a fazer o teste do bafômetro e que utilize seus serviços para levar o automóvel ao seu destino. A lei permite que isso ocorra (afinal, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo), mas a carteira do condutor que recuse o bafômetro pode ser apreendida – ou, se não for apreendida, pode ser cancelada posteriormente no sistema.
Os tais representantes cobram R$ 390 para conduzir o carro para o motorista que eventualmente estiver embriagado. Mas também informam que – por uma taxa que varia de acordo com a aparência e o carro de quem foi parado, entre R$ 1.000 e R$ 5.000 – podem entrar com um recurso para impedir que a CHN de quem foi pego pela Blitz seja suspensa.
Ou seja, a lei é rígida e a punição é exemplar. Mas o sistema encontrou uma forma para oferecer saídas aos detratores.
Diante deste cenário em que os espertalhões apareceram para avacalhar algo bastante sério, é importante ressaltar que já tínhamos regras rígidas antes de 2008 – mas havia leniência das autoridades na aplicação das regras. Assim, precisaríamos mesmo de um sistema de tolerância zero ao álcool ou seria apenas o caso de fazer a legislação ser cumprida? A situação ganha uma ironia toda especial quando lembramos que a Lei Seca foi promulgada no segundo mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula não é conhecido por ser exatamente um abstêmio quando se fala em consumo de bebidas alcoólicas.