O caso de racismo envolvendo a filha da atriz Samara Felippo ocorreu na escola Vera Cruz, conhecida há anos por oferecer um ensino que nada tem a ver com a abordagem didática tradicional. Sua fundadora, Yolanda Vidigal Meyer, criou a instituição para que seus filhos pudessem construirum “pensamento com liberdade”. No site da escola, que se intitula como “o Vera”, a aba dedicada à proposta pedagógica mostra seus princípios fundamentais: “perspectiva investigativa, interação como fator de aprendizagem, valorização da diversidade, formulação e resolução de problemas, respeito à singularidade e relação com o mundo contemporâneo”. A diretora pedagógica do Vera, Regina Scarpa, é uma profissional respeitada no mundo educacional e preocupada especialmente com o preconceito racial. Em novembro do ano passado, por exemplo, ela publicou um artigo intitulado “O papel da escola na educação antirracista”.
O que, então, aconteceu para que houvesse um episódio tão lamentável no Vera Cruz?
Esse caso virou tema de muitas conversas entre famílias. E bastante gente apontou o dedo para os pais das crianças de comportamento racista. Afinal, os jovens se comportam pelo exemplo. Mas será isso mesmo? Afinal, há filhos bons de pais ruins; e filhos ruins de pais bons.
Muitas vezes, adolescentes são levados por uma raiva momentânea e abissal, que os leva a situações indesejáveis. Ou são produto de influências do grupo. Essa geração em particular, tem alguns fatores singulares que influenciam em seu comportamento. O primeiro é o fato de ter passado por uma pandemia, em um momento em que deveriam estar ampliando seus horizontes de convívio com colegas e amigos. O segundo fator é que o chamado grupo de influência não está mais restrito às amizades da escola e da rua – mas também aos conhecidos virtuais e aos influenciadores das redes sociais, boa parte dos quais é composta por indivíduos absolutamente desmiolados.
Como o episódio ocorreu com a filha de uma atriz famosa, houve uma repercussão gigantesca, ganhando inclusive as primeiras páginas dos jornais – e um espaço gigantesco em todas as mídias. E, neste contexto, foi um verdadeiro milagre a identidade das agressoras ter sido mantida em total anonimato.
Samara Felippo defende veementemente que as alunas sejam expulsas da escola – mas os próprios pais já decidiram que elas mudarão de instituição escolar. Mas essas meninas vão pagar um alto preço pelo seu ato: as inevitáveis fofocas vão apontá-las, nos novos endereços, como as autoras desse ato hediondo.
Essa dor, no entanto, não pode ser comparada com a experimentada pela vítima. A filha de Samara Felippo sofreu uma agressão psicológica que vai acompanhá-la para o resto de sua vida. A população branca tende a relativizar o sofrimento provocado pelo racismo, como se fosse um mimimi. Certa ocasião, um jornalista negro bastante conhecido fez uma reclamação sobre o racismo em um grupo de WhastApp. Um membro dessa comunidade definiu o post da seguinte forma: “coitadismo’.
A revolta de quem é alvo do preconceito precisa ser compreendida e assimilada pela sociedade. Mas, nesse caso em particular, a escola se recusa a vilanizar as duas alunas. O argumento da diretora Regina Scarpa é o de que são “alunas de 14 anos em pleno processo de formação”. Ou seja, a escola pretende acolher a vítima e tentar educar as agressoras. A revolta de Samara Fellipo, ao cobrar que a escola expulse as duas alunas, é compreensível. “Isso não pode mais acontecer. A reflexão que fica é: que tipo de política de qualidade antirracistas precisam ser aplicadas? Não só a lei que tem que ser aplicada, do ensino afro-brasileiro, mas um corpo docente de professores pretos. Essas coisas precisam ser mudadas. Letrar funcionário, treinar. Programa de bolsas maiores e mais efetivos”, disse a atriz.
A família de Samara está sofrendo. E, em outra esfera, também estão os pais das agressoras. Para esses últimos, agora é o momento de juntar os caquinhos e tentar mitigar os efeitos de um episódio aviltante. O grande desafio de um pai e de uma mãe, nessas horas, é dar o apoio a uma filha que errou muito – e trabalhar para que uma barbaridade dessas não ocorra de novo.
Uma resposta
Realmente, muito difícil e muito bem colocado por vc, Aluízio. Em verdade, as agressoras também são vítimas. De um sistema que nunca teve um olhar rigoroso no sentido de resgatar a dignidade do povo preto. Desde sempre. Estas, enfim, nada mais fizeram do que traduzir o que fizeram seus abtepassados. Tá no DNA. Para que esta ferida seja definitivamente fechada serão necessárias décadas, até que seja absolutamente comum/normal termos médicos, professores, engenheiros, advogados, economistas, governantes pretos. Socialmente bem posicionados. Quando for algo corriqueiro, chegar uma família de pretos num Jaguar, numa Lamborghini, num Restaurante Rodeio, num Figueira (e não seja artista ou jogador de futebol). Temos muito chão pela frente, ainda, infelizmente. Porque a questão racial se confunde com a questão social. Não?