Estamos vivendo uma época em que tudo pode ser polarizado nos debates que ocorrem diariamente nas redes sociais. Mas, curiosamente, há um tema que tem muito a ver com o universo digital mas ainda não passa pelo filtro ideológico dos debatedores. Qual seria esse assunto? A inteligência artificial.
Devo confessar que não cheguei a essa conclusão. Quem registrou esse fenômeno foi o escritor israelense Yuval Harari, em seu último livro, “Nexus”, que trata sobre redes de informação e sua influência ao longo do história humana. Um pouco antes da metade da narrativa, Harari escreve o seguinte:
“Qual é a diferença, por exemplo, entre as políticas de IA dos republicanos e dos democratas? Qual é a posição da direita acerca da IA e qual é a posição da esquerda? Os conservadores são contra a IA pela ameaça que representa à cultura tradicional que tem como centro o ser humano ou são a favor porque vai impulsionar o crescimento econômico ao mesmo tempo que diminui a necessidade de trabalhadores imigrantes? Os progressistas são contra a IA por conta dos riscos implícitos de desinformação e de aumento de preconceitos ou a abraçam como um meio de gerar abundância capaz de financiar um abrangente Estado de bem-estar social? Difícil saber, porque até pouco tempo atrás republicanos e democratas, e a maioria dos partidos políticos do mundo, não refletiam ou não falavam muito a respeito dessas questões”.
Uma possibilidade sobre essa falta de posições polarizadas seria a ignorância que paira sobre o assunto. No entanto, polarizamos temas dos quais não temos muito conhecimento científico, caso das vacinas utilizadas durante a pandemia de Covid-19. Milhões de pessoas sem diploma médico se jogaram em debates técnicos nas redes do mundo inteiro, usando fragmentos de pesquisas do Google, argumentando contra e a favor sobre o uso dos imunizantes.
Com a IA, no entanto, estamos em um terreno desértico em termos de informações que façam sentido para os leigos, uma vez que no epicentro do tema estão os famosos algoritmos. O cidadão comum não sabe como são calculadas essas fórmulas ou como é que elas conseguem capturar e analisar milhões de dados por minuto. Ou ainda como é que esses algoritmos conseguem criar imagens, opiniões e textos inteiros aparentemente a partir do nada.
Nesta semana mesmo, instigado por um amigo, entrei em um aplicativo chamado Suno. Trata-se de uma ferramenta de IA que possibilita a qualquer um – qualquer um mesmo – a composição de canções de diversos gêneros. Basta escolher o ritmo desejado, que tipo de melodia você quer, e dar algumas pistas sobre o que a letra deve conter (apenas algumas palavras resolvem a questão). O resultado é surpreendentemente bom, especialmente se o briefing estiver bem-feito.
Para o reles mortal, no entanto, parece um truque de mágica, incompreensível para quem não tem qualquer intimidade com a tecnologia. Esse tipo de profundo desconhecimento nivela padrões ideológicos e deixa direitistas e esquerdistas sem sabe que posição tomar.
Já conheci gente de direita e de esquerda que são entusiastas da nova tecnologia – e o mesmo acontecendo com pessoas que são contrárias à inteligência artificial e são rivais na esfera política. Paralelamente, há pessoas de esquerda que são a favor de um rígido controle sobre máquinas que pensam sozinhas e o mesmo acontece entre quem está no quadrante ideológico de direita.
Ainda vai demorar um tempo para que cheguemos a mais conclusões sobre esse tema. Entretanto, não adianta ser contrário à IA: este trem já deixou a estação e vai fazer parte de nossas vidas, queiramos ou não.
De qualquer forma, agora vale a pena mergulharmos em nossas mentes e pensarmos: afinal, o que devemos pensar sobre a inteligência artificial? De minha parte, só desejo uma coisa: que a IA tenha limites para que nosso planeta não vire uma realidade distópica como vimos em “O Exterminador do Futuro” e “Matrix”. Resolvido esse problema, que venha a inteligência artificial. Rapidamente.