A vida dos adultos, nos últimos anos, vem sendo sacudida sistematicamente pela polarização política. Amizades estremecidas, relações desfeitas e almoços de família tensos são alguns efeitos desse clima criado em torno do país em função de escolhas partidárias (ainda há os casos extremos, em que rivalidades eleitorais descambaram para a violência pura e simples). Hoje, neste momento pós-eleições, ainda há uma espécie de ressaca provocada pelo resultado das urnas, que está gerando protestos e manifestações por parte de eleitores insatisfeitos.
Mas esse cenário não é visto apenas no mundo adulto. Muitas escolas estão presenciando um fenômeno semelhante entre os alunos. As discussões políticas entre os adolescentes ganharam corpo após o dia 30 de outubro e criaram discórdia e feridas que não vão sarar tão cedo. Se muita gente madura e comedida se descontrola na hora de falar sobre seus candidatos, imagine o que ocorre com quem tem menos de dezoito anos.
Muitas crianças simplesmente repetem o comportamento que enxergam em seus pais. Assim, nesse panorama em que o antagonismo político é a regra, os pequenos podem ver com frequência os mais velhos batendo boca. O resultado dessa emulação é o pior possível.
Para piorar, isso ocorre em um momento em que várias escolas em São Paulo registram tragédias em função de bullying ou casos de depressão entre os alunos (na semana retrasada, mais um caso desses ocorreu em um estabelecimento particular de ensino no bairro do Itaim Bibi).
Essa geração de crianças e adolescentes precisa ser observada com maior cuidado que as demais, pois passou por um trauma sem precendentes na vida moderna: a pandemia. Durante um ano, o convívio social foi cortado e isso criou um desconforto gigantesco. Em uma determinada faixa etária, por exemplo, muitos entraram crianças na pandemia e dela saíram na adolescência. Jovens que tinham poucas preocupações na vida tiveram de lidar com o medo provocado pela Covid-19, especialmente no início do processo de contaminação.
Neste cenário, tivemos a pandemia, que dividiu o país (uns queriam que o lockdown acabasse e outros pediam a extensão das medidas de distanciamento social). Depois, a rivalidade entre pró e contra Jair Bolsonaro. Mas uma divisão. E, temperando todo esse processo, casos de bullying pipocando cada vez mais entre os alunos.
Para piorar, provocações e críticas agressivas não ficaram restritas somente à vida real. Em boa parte dos aplicativos de redes sociais – como o TikTok, por exemplo – os jovens têm de lidar com haters, que surgem do nada, criam um desconforto gigantesco e vão embora como apareceram.
Quando me tornei pai de uma menina, quatorze anos atrás, nunca imaginei que teria de prepará-la para se blindar contra esse tipo de situação. Nos últimos tempos, porém, percebo que ela aguenta com firmeza esse tipo de pressão. Mas precisa desabafar de vez em quando para se manter equilibrada.
Nos últimos meses, ela me perguntou com frequência sobre a campanha eleitoral e os candidatos – e relatou diversas discussões que ocorrem na escola. No universo dos amigos que têm filhos adolescentes, o quadro é parecido.
Não podemos deixar as crianças e adolescentes sozinhos neste momento. É nosso dever, como pais, ajudar os jovens a desbravar um mundo que não poupa ninguém e bate muito forte. Precisamos ensiná-los a assimilar os golpes e devolvê-los. Mas sem moldá-los com agressividade. Uma tarefa dificílima – mas inevitável.