O ano era 1984, eu era estudante de jornalismo e trabalhava como deejay em uma casa paulistana que reunia de 800 a 1000 pessoas às sextas e aos sábados (na quinta, um público modesto para o padrão da danceteria: 400 pessoas). O som da pista se revezava com shows ao vivo e pude conhecer, nos bastidores, alguns dos grandes nomes do rock nacional da época: Kid Abelha, Paralamas, Magazine, Legião Urbana e muitos outros.
Uma amiga que era divulgadora da gravadora WEA me deu um compacto com uma música de uma banda britânica, chamada Matt Bianco. Ela disse que a canção estava estourada na Europa e que iria fazer sucesso por aqui. A faixa se chamava “Get Out of Your Lazy Bed” e, de fato, começou a tocar no rádio. Tinha um arranjo um pouco nostálgico e a roupa dos integrantes era bem retrô. Depois de alguns dias, a Guacira Abreu, que era programadora de shows para o Rádio Clube (esse era o nome do lugar), me disse que “o Matt Bianco era brasileiro”.
Logo após essa revelação, encontrei o Kid Vinil, que era vocalista do Magazine e grande conhecedor da cena musical britânica. Falei do Matt Bianco e ele me esclareceu: o baixista era, de fato, brasileiro, e tinha pertencido a outra banda inglesa, Blue Rondo a la Turk (esse nome vem de uma música do Dave Brubeck Quartet; Brubeck ouviu músicos turcos tocando na calçada e perguntou que ritmo era aquele. Eles responderam que era o equivalente ao “blues” na Turquia. Ele compôs uma canção que tem uma sequência de notas chamada “rondo”. Juntou tudo no título e virou “Blue Rondo a la Turk”).
Muitas bandas usavam elementos do jazz e da música latina no início dos anos 1980 em Londres: Haircut One Hundred, Everything But the Girl e Working Week eram algumas delas, assim como Blue Rondo, que tinha uma vantagem competitiva em relação às concorrentes. Seu baixista, Kito Poncioni, era brasileiro.
Poncioni saiu do Blue Rondo e montou, com dois colegas de banda (Mark Reilly e Danny White), o Matt Bianco, que também contava com os vocais da polonesa Basia Trzetrzelewska. Fizeram muito mais sucesso do que no grupo anterior. Entre uma gravação e outra, Poncioni veio ao Brasil e ficou espantado com o tratamento da imprensa especializada. Resolveu, então, largar o Matt Bianco e ficar por aqui. O Brasil passava justamente pela efervescência do rock brasileiro e talvez Kito Poncioni possa ter imaginado uma carreira de sucesso em terras tupiniquins.
Não se tem muitos detalhes dessa passagem. Mas os demais integrantes devem ter ficado muito bravos com a decisão do brasileiro. No LP que eles lançaram na sequência, que tem o megassucesso “More Tha I Can Bear”, não há referência a quem toca baixo nas faixas (embora o estilo de Poncioni seja facilmente reconhecível nos primeiros acordes de todas as músicas), apesar de os créditos serem bem minuciosos, incluindo quem toca flugelhorn (uma espécie de trumpete) em uma determinada canção. O outro single do álbum foi “Half a Minute”, que tem o brasileiro entre os compositores (é um sambinha quadrado, feito para agradar os estrangeiros; o violão acústico deve ser tocado pelo baixista).
Poncioni, porém, nunca fez sucesso no Brasil. Montou algumas bandas e nunca emplacou uma música nas paradas. Em 2001, sua carreira se encerrou precocentemte, quando ele morreu em decorrência de uma hepatite. Kito (que vem de Marquito, que vem de Marcos) se tornou um músico que viu o sucesso de sua obra, mas manteve-se em um anonimato incômodo e longevo. Façamos, então, um brinde a esse baixista que deve estar na banda de Rita Lee e Tim Maia no andar de cima. Valeu, Kito Poncioni. Essa é minha homenagem a você.
Respostas de 2
Demais!! Maior orgulho de ser cunhado dessa fera — não canso de contar essa história, que surpreende todos que a ouvem, no Brasil ou fora. Muito legal você ter feito justiça ao Kito – parabéns!!
Muito bom,conheci o Kito quando éramos crianças.Até hoje estou junto à família e as irmãs,grandes amigas.Emocionante e merecida homenagem