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Qual o efeito prático das palavras raivosas?

Ao longo da minha carreira, participei de inúmeras entrevistas coletivas. Nessas ocasiões, topei com vários repórteres militantes, especialmente no final dos anos 1980, quando ainda vivíamos os efeitos da ditadura militar, embora já tivéssemos um governo civil. A entrevista geralmente acabava quando um desses profissionais fazia uma pergunta mais agressiva, com um tom raivoso. Era a deixa para que o entrevistado tivesse o pretexto de se levantar e não mais responder perguntas.

Esse comportamento também é levado para uma sessão de perguntas e respostas em particular. Mas a agressividade de um entrevistador acaba sendo um tiro no pé, pois o entrevistado se fecha desde o início da conversa e passa todo o tempo jogando na retranca. Na prática, esse comportamento foi uma espécie de antepassado das lacrações que vemos hoje nas redes sociais. O autor das cutucadas se sente em êxtase. Mas qual é o efeito prático desta atitude? Praticamente zero.

O caso do pastor Silas Malafaia, em discurso proferido no domingo na praia de Copacabana, é primo-irmão das perguntas agressivas dos repórteres esquentadinhos do passado (se bem que ainda temos alguns exemplares destes dentro da nova geração). Uma coleção de ataques e lacradas que levaram a plateia ao delírio e deixaram o religioso em estado de graça. Mas, no fundo, foram palavras jogadas ao vento – ou melhor, à brisa do mar.

Malafaia chamou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de “ditador de toga”. Sobrou também para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: “frouxo, covarde e omisso”. E os comandantes das Forças Armadas? “Se esses comandantes militares honram a farda que vestem, renunciem aos seus cargos e que nenhum outro comandante assuma até que haja uma investigação do Senado”. Curiosamente, no dia 10 de abril, o pastor tinha sido homenageado com a Ordem do Mérito Judiciário Militar e, na ocasião, se deixou fotografar com oficiais de alto coturno.

O público adorou os ataques e exultou a cada alfinetada, dita com o tom hidrófobo que compõe o estilo do sacerdote. Mas ninguém – incluindo Malafaia – espera que Moraes adote uma postura mais comedida, que Pacheco se torne um algoz do Supremo Tribunal Federal e que os chefes das Forças Armadas peçam demissão coletiva por conta de um discurso dominical.

Infelizmente, o contexto digital influencia cada vez mais a vida real.  Vejamos o caso do próprio pastor. Ele possui uma conta no Instagram que reúne 4,3 milhões de seguidores e tem milhares de interações a cada post. No caso de seu discurso em Copacabana (definido por ele mesmo como “fala quentíssima”), ele dividiu a postagem da fala em duas partes. A primeira teve 109 000 curtidas e a segunda, 115 000.

Na prática, muitos influenciadores (religiosos ou não) pensam em discursos instagramáveis, que vão gerar engajamento. Mas a preocupação em atacar só acirra os ânimos e deixa as pessoas cada vez mais encasteladas em suas posições antagônicas. Enquanto exercemos a pressão através de ataques sem grande consistência, não chegaremos a nenhum lugar. Apenas vamos jogar para a torcida e colher os louros de uma grande audiência.

Ao colocar como prioridade as redes sociais, perdemos o foco daquilo que deveria ser mais importante: mostrar os erros e as contradições desses personagens estelares da política brasileira, sem rancor ou ódio. A frieza dos fatos é mais pontiaguda que o mais ferino dos adjetivos. É por esse caminho que precisamos trilhar – não a sedução fácil das lacradas que não têm efeito prático em nossas vidas.

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