No próximo dia 1º., o Real completa o seu trigésimo aniversário. A população brasileira abraçou a nova moeda cheia de esperança, mas um tanto cética por conta de outros planos econômicos fracassados no passado. O que muitos não sabiam, nessa época, era que os bastidores do Plano Real foram bastante estressantes e marcados por sabotagens internas e externas. Neste final de semana, algumas luzes surgiram sobre esse episódio com uma entrevista do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, ao jornal “O Globo”. Na conversa, o economista revelou um pouco da intimidade do governo Itamar Franco em seu momento mais importante – a aprovação das medidas que estabilizaram a moeda brasileira e varreram a hiperinflação de nossas vidas.
“Vale recordar a véspera do primeiro dia, 28 de fevereiro de 1994, quando teve a reunião ministerial para fechar o texto da medida provisória que criou a URV (Unidade Real de Valor, que era corrigida diariamente e depois se transformou no Real em 1º. De julho). O presidente Itamar Franco chamou para uma reunião alguns ministros no Palácio. Fernando Henrique (Cardoso, ministro da Fazenda) foi e levou assessores. Eu e o Murilo Portugal, secretário do Tesouro, assistimos a reunião inteira, que começou às 10h e durou até às 8h da noite. Nesse dia, eu vi o ministro da Fazenda pedir demissão três vezes, não foi uma, foram três vezes. Levantar da mesa e dizer: ‘Assim não dá. Se eu for fazer desse jeito, eu vou me embora. Fazem vocês’. Tudo isso podia não ter acontecido na véspera”, disse Franco.
Fernando Henrique jogou duro para derrubar três sugestões dos demais membros do governo: a conversão dos salários pelo pico (e não pela média dos últimos meses), o congelamento de preços e um salário-mínimo equivalente a US$ 100 da época. Essas medidas teriam sido populares, mas iriam arruinar a essência do Plano, pois iriam estimular o consumo além do desejado e reacender rapidamente a chama inflacionária. Apesar de não ser economista, FHC sabia que essas medidas seriam um tiro no pé e não negociou.
O hoje ex-presidente, naquela mesa de reunião, concluiu que há momentos na vida em que não se poder negociar: a intransigência, nessas horas, parece ser o único caminho. Como o Plano Real tem já trinta anos, pode-se concluir que Fernando Henrique tinha razão em não capitular.
Naquela época não havia polarização e o maior rival de seu partido, o PSDB, era o PT. A intransigência não era mercadoria comum no início dos anos 1990, e era algo especialmente raro quando vinda de um sociólogo com alma de diplomata, como FHC. Esse, porém, foi a única trilha vislumbrada pelo então ministro.
Foi a mesma intransigência que levou Winston Churchill a não aceitar um acordo com a Alemanha de Adolf Hitler ou Abraham Lincoln admitir a escravidão no sul dos Estados Unidos durante as negociações de Hampton Roads, em fevereiro de 1861. Eles tomaram o caminho mais difícil, sacrificaram milhões de vidas humanas, é verdade, mas tomaram a decisão certa, opondo-se à tirania e à discriminação do ser humano.
Nos dias de hoje, é comum ver pessoas intransigentes em defesa dos motivos errados, provocando uma inversão de valores preocupante. Neste cenário, muitos argumentam que escolheram um determinado caminho porque a maioria está fazendo a mesma coisa. Ninguém para pensar se uma determinada ação é certa ou errada. Apenas se vai receber apoio, escancarado ou velado.
Podemos negociar até um certo ponto. E bater o pé em relação ao que julgamos ser certo. Chega de passar pano para aquilo que está errado em nome de uma boa conviência. Precisamos resgatar os conceitos de certo e de errado. Se não fizermos isso, viveremos em uma terra de ninguém, em um faroeste moderno, rancoroso e insensível.
É este o mundo no qual desejamos viver?