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Quando o absurdo parece ser normal

Vivemos em uma realidade tão sacudida por absurdos e fake news que perdemos a capacidade de analisar os conteúdos que recebemos diariamente pelas redes sociais. Poucos dias atrás, vi uma postagem curiosa, que supostamente reproduzia a conta de Twitter de Carlos Bolsonaro. O texto dizia o seguinte: “A diferença entre fugir e fingir corajosamente que fugiu é sutil e apenas os que conhecem bem do que se trata terão capacidade para analisar o quão isso é importante na verdadeira ‘dança das cadeiras’, deixando ATÔNITOS os que preferem ignorar o disposto exaustivamente “pintado”.

O texto, embora reproduzisse com alguma fidelidade o estilo do filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, chamou-me a atenção pela falta total de senso. Embora isso já tenha ocorrido em mensagens de Carluxo, dei uma olhada no endereço do autor da postagem. Não era a conta do filho 02 e sim de um perfil humorístico.

Voltei aos comentários da postagem, cerca de 40. Apenas quatro pessoas notaram que aquilo era uma brincadeira. O restante (90% do grupo) tinha levado a sério e espinafrava a sandice que do conteúdo atribuído a Carlos Bolsonaro.

Chegamos a um ponto em que não checamos mais nada. Apenas nos deixamos levar pelo fluxo ditado pela nossa comunidade digital. Isso abre espaço infinito para pegadinhas que podem criar constrangimentos atrozes a quem acredita em tudo o que escuta ou lê.

Esse tipo de situação me lembra um episódio vivido por meu pai, anos atrás, ainda na década de oitenta.

Ele estava em uma mesa de bar e comentou casualmente com seus amigos:

– Vocês já ouviram o último disco de Roberto Carlos?

Os colegas, num rompante de elitismo, começaram a espinafrar o maior ídolo da música popular brasileira, chamando-o de brega para baixo. Meu pai, que é um fã de RC, ouviu calado os apupos e mudou de assunto.

Depois de uma hora, ele disse que estava lendo um livro de memórias da viúva de Pablo Neruda, que contava com detalhes a juventude do poeta em Paris, convivendo com boa parte da elite artística no final dos anos 1920, quando ainda tinha vinte pouco anos (depois ele voltaria a morar na capital francesa como diplomata).

Embora convivessem com a fina flor da intelectualidade local, tinham pouquíssimo dinheiro e contavam os tostões diariamente. Numa noite, jantando em um pequeno bistrô do Quartier Latin, Neruda pediu uma segunda jarra de vinho para o casal sem saber se teria dinheiro para pagar a conta. Neste momento, ele rabiscou no guardanapo aquele que a autora do livro considera o mais bonito verso de sua carreira: “Nós somos a festa e a dose atrevida”.

Houve um frisson na mesa. Os interlocutores ficaram arrepiados e começaram a tecer elogios, exultando o verso de Neruda . Comentaram também a capacidade do poeta em capturar o momento trivial e imortalizá-lo em um verso tão espetacular.

Meu pai, então, revelou que aquela narrativa era apenas uma pegadinha:

– Bem, não existe viúva do Pablo Neruda, não há biografia nenhuma e nem sei se o poeta alguma vez se arriscou a não pagar uma conta em Paris. Esse verso que vocês acabam de elogiar está na última música de Roberto Carlos, que está tocando no rádio.

Os amigos ficaram sem graça e mudaram de assunto. Mas, com certeza, nunca mais criticaram Roberto Carlos em público.

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