Em março de 1979, uma greve dos metalúrgicos sacudiu a região do ABC paulista e provocou a paralisação de praticamente todas as montadoras baseadas na região. Foi um movimento que repercutiu em todo o país e colocou um líder sindical de 34 anos no centro das atenções da imprensa. Seu nome? Luiz Inácio Lula da Silva. Essa greve pode ser considerada a pedra fundamental do Partido dos Trabalhadores, que seria oficialmente fundado um ano depois.
Naquela época, as forças conservadoras se opuseram às manifestações de força dos metalúrgicos, que deixaram o governo militar perplexo, a ponto de decretar intervenção federal nos sindicatos locais (mesmo assim, a paralisação continuou). Os conservadores, assim, passaram a criticar abertamente o mecanismo da greve e atacar especialmente a figura de Lula.
Pouco mais de um ano depois, no entanto, o mundo soube da existência do sindicato polonês “Solidariedade”, que paralisou mais de meio milhão de trabalhadores por melhores salários. O movimento surgido na cidade portuária de Gdansk foi uma das poucas vozes de protesto a contestar o autoritarismo comunista desde a criação da Cortina de Ferro, após a Segunda Guerra Mundial. Foi o suficiente para que o conservadorismo apoiasse a greve liderada por Lech Walessa.
Mas qual seria a lógica de se criticar uma greve no ABC e elogiar um movimento grevista em Gdansk?
Recentemente, tivemos uma situação semelhante, só que envolvendo a independência do Banco Central. Nos primeiros dois meses do governo Lula, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi elogiado constantemente pelos eleitores de direita por não ceder aos apelos populistas do PT para reduzir as taxas de juros. A explicação para manter os juros altos seria o perigo que a inflação ainda representava naquele momento (o que acontece até agora, diga-se de passagem).
Muitos brasileiros trumpistas, no entanto, ficaram surpresos ao ver a pressão exercida pelo presidente Donald Trump ao comandante do Federal Reserve, o Banco Central americano, para baixar os juros. A atitude de Trump foi vista como uma afronta à independência do Fed – algo que parecia ser uma vaca sagrada para os brasileiros conservadores.
Trump acabou baixando a bola, dizendo que “gostaria que ele [Jerome Powell] fosse um pouco mais ativo em termos de sua ideia de reduzir os juros”. Mas esse episódio acabou desnudando um conflito semelhante ao das greves do ABC e de Gdansk: um acontecimento no Brasil gerava uma reação diferente de uma ocorrência semelhante no exterior.
Nessas horas, é preciso ter coerência e manter a mesma posição, sem se deixar levar pelos preceitos ideológicos. Obviamente, precisamos levar em consideração as diferenças conjunturais de cada país. Mas, nesses dois casos (o direito à greve e a independência do Banco Central), o contexto local parece ficar em segundo plano.
Muitas vezes, vemos esquerdistas e direitistas ignorando erros de aliados apenas para não dar munição aos inimigos. Quando passamos o pano para nossos irmãos de armas mesmo quando eles estão claramente errados, estamos nos condenando à mediocridade. Para evoluirmos, precisamos admitir nossos enganos e seguir em frente. Só assim é que vamos construir uma sociedade melhor para nossos filhos e netos.