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Real: a última vez em que o país se uniu em torno de uma causa

Tente encontrar algum assunto que gere algum consenso entre amigos e conhecidos, que consiga sensibilizar a maioria absoluta dos brasileiros. Vamos além: quando é que estivemos diante de uma ideia que gerou uma adesão imediata de um enorme contigente de pessoas? O futebol, antes uma unanimidade nacional, gerava esse tipo de reação nas Copas do Mundo. Recentemente, no entanto, houve até quem torcesse contra a seleção brasileira – e fez questão de propagar essa posição através das redes sociais.

A polarização mexe profundamente com nossa sociedade e consegue enquadrar conceitos que parecem ser técnicos e incontestáveis. Mesmo assim, tais concepções acabam passando por um filtro ideológico e gerando interpretações que variam de acordo com o grupo político ao qual as pessoas estão alinhadas.

Repetindo a pergunta: qual foi a última vez na qual nós nos unimos em torno de uma ideia? Tivemos a Lava-Jato, que conseguiu obter o apoio de muita gente. Mas mesmo essa força-tarefa, que mirava a corrupção endêmica que assola o Brasil, teve um rol enorme de inimigos, pois atingia o PT e suas figuras de expressão.

Há, porém, um outro evento, mais antigo, que mirou em outro grande problema nacional e obteve o suporte de praticamente todos os brasileiros: o Plano Real, que está completando trinta anos. O plano, elaborado para acabar coma inflação, foi abraçado com fervor pela população, desgastada por anos de carestia desenfreada. Em 1993, por exemplo, a alta de preços ficou em torno de 2.000%. Em 1994, com seis meses de moeda estável, essa taxa caiu para 916%. Em 1995, o índice oficial foi de 22%.

Para se chegar a esse resultado, o governo Itamar Franco foi o primeiro que viu a importância do controle de despesas públicas, associado a ferramentas como a política monetária e a âncora cambial. O Real, no entanto, não pode ser definido como um conjunto de mentes sintonizadas. O início das discussões, coordenado pelo engenheiro Clóvis Carvalho, foi caloroso e intenso. Carvalho, porém, conseguiu domar as diferenças com uma frase dita durante uma dessas reuniões: “Não precisamos de consenso, mas sim de consentimento”.

Essa frase lapidar poderia servir de inspiração para muitos políticos de hoje. De qualquer forma, naquele momento, abriu caminho para discussões menos apaixonadas e mais racionais, que desaguaram na estabilização da moeda. Esse processo foi abraçado pela maioria esmagadora dos brasileiros.

Um dos poucos que veio a público para protestar foi justamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou a receita para estabilizar a moeda de “estelionato eleitoral”. Para Lula, o Real era como o Plano Cruzado, que estabilizaria os preços por algum tempo – o suficiente para eleger os aliados do governo – e depois faria água. O presidente também trabalhou, em 2000, contra a lei de responsabilidade fiscal. Mas, em 2008, estrelou um programa de televisão do PT no qual afirmou que o “grande mérito” da estabilização econômica era dos petistas.

O economista Gustavo Franco, em artigo recente, discorreu sobre o Plano Real, do qual ele é um dos autores. “Talvez nenhuma de nossas decisões tenha contado com 100% de consenso. Mas todas, sem exceção, foram abraçadas pelo grupo. A lição era sobre respeitar, portanto confiar nos seus colegas de pelotão, e sempre se movimentar em conjunto, a despeito das inevitáveis diferenças de opinião. […] Uma modesta lição para um país que precisa de pacificação”, escreveu o ex-presidente do Banco Central.

A disciplina da equipe que criou o Real poderia ser imitada por certos membros do governo, que insistem em bombardear qualquer tentativa de equilíbrio fiscal – além de líderes do Legislativo e do Judiciário, que inventam a torto e a direito gastos que não estão no orçamento. Precisamos nos unir em torno de uma nova ideia, como foi no Real, e isolar politicamente aqueles que só pensam no próprio umbigo e não estão nem aí para o futuro do país. E qual seria esse conceito? Reduzir o tamanho do Estado e, consequentemente, os impostos pagos pela população e pelas empresas. E aproveitar para estimularmos a iniciativa privada, para gerar empregos e riquezas.

Neste caso, não precisamos ter consenso, como disse Clóvis Carvalho a sua equipe de economistas. É preciso apenas consentimento – uma mercadoria muito escassa nesses tempos de polarização política.  

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Comentários

Uma resposta

  1. Mais um artigo excelente, Aluízio. Infelizmente, não vejo, a curto prazo, perspectiva que isso aconteça. Infelizmente, temos uma legião de políticos e dirigentes, única e exclusivamente comprometidos com seus próprios umbigos e seus “parças”. “Nunca, antes, na história do Brasil”, tivemos um conjunto de políticos tão medíocres e tão pouco interessados com o país e seu povo. Claro que, como sempre, existem exceções. Mas são tantos os casos de mutretas, falcatruas, desvios de verba, compras de carros luxuosos, mansões, fazendas, que fica impossível imaginar que estes mesmos irão se sentar à mesa pra buscar consenso. Ou melhor, consentimento. Para ideias e projetos que possam efetivamente servir à nação. Independente do despreparo e descompromisso, ainda temos a polarização Lula/Bolsonaro. Que continua viva, tóxica, nociva e que de muito pouco ou nada serve, senão incitar a discórdia e a animosidade.

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