A Copa do Mundo começa amanhã. Mas, ao contrário da maioria dos meus amigos, não estou muito animado – aliás, passei boa parte da minha vida sem me importar com futebol. Para se ter uma ideia, quando trabalhava na revista EXAME, nos anos 1990, estava escrevendo uma reportagem de umas seis páginas e bastante concentrado. Quando terminei, olhei em volta e não havia ninguém. Ninguém mesmo. Estava sozinho.
Intrigado, fui procurar meus colegas. Quando passei pela sala de reuniões, ouvi um barulho. Estavam todos lá, em silêncio absoluto, com as luzes apagadas. Percebi uma TV de 14 polegadas ligada na parede em frente a todos. Olhei para a tela e vi que era um jogo de futebol. Perguntei qual era aquele time, que estava com a posse de bola. O jornalista Clayton Netz, que chegaria ao cargo de diretor de redação, me respondeu, com um toque de incredulidade na voz: “O Brasil, Aluizio…”.
Torço para o Corinthians e não percebo quando estão me provocando quando o alvinegro perde – pois raramente vejo as partidas ou fico sabendo dos resultados. Mas nem sempre foi assim.
Na Copa de 1970, era um garoto de sete anos e vibrei com cada partida da seleção. Mas o jogo de estreia do Brasil, contra a Tchecoslováquia, me marcou profundamente. Meu pai chamou uns amigos para ver o jogo em casa (tínhamos um aparelho preto e branco, modelo ABC – A Voz de Ouro, de 21 polegadas). Na animação anterior ao jogo, alguém propôs um bolão e eu quis entrar. Ninguém prestou atenção que eu queria apostar no Rivelino. Quando chegou minha vez, praticamente todos os jogadores brasileiros tinham sido escolhidos (a aposta era para adivinhar quem seria o autor do primeiro gol da peleja). Furioso, assinalei o número oito do time adversário, pois tinha achado o nome esquisito: “Petras”.
Pois foi ele quem marcou o primeiro gol da partida e fiquei com várias notas amarfanhadas e moedas – para mim, aos sete anos, uma verdadeira fortuna. No intervalo do jogo, fui até o bar da esquina e comprei uma garrafa de Coca-Cola e vários chocolates. Vi o segundo tempo me empanturrando com as guloseimas.
Acompanhei todos os jogos e me recordo que os mais difíceis foram contra o Uruguai e a Inglaterra, que tinha sido campeã em 1966. Aliás, foi nessa partida que vi a defesa mais incrível de minha vida. Jairzinho avançou pela direita e cruzou na cabeça de Pelé, que mandou a bola para o canto direito da Inglaterra. Cheguei a gritar “gol”. Mas o goleiro Gordon Banks, não sei como, conseguiu espalmar a cabeceada.
Depois da vitória contra a Itália, com o Brasil tricampeão, peguei todos os meus posters e fotos dos jogadores e colei tudo na lataria do carro do meu pai e o obriguei a dar uma volta no quarteirão comigo. Morávamos na alameda Campinas e lembro que as pessoas estavam comemorando na rua, não só na minha, mas também na Lorena, na Pamplona e na Guarará.
Quatro anos depois, veio minha primeira decepção com a seleção brasileira em 1974. Com um time sem criatividade e retrancado, o Brasil chegou em quarto lugar. Mas foi em 1976 que me desiludi com o futebol e ganhei o chamado distanciamento crítico em relação ao esporte bretão.
O Corinthians, depois de mais de duas décadas de jejum de títulos, tinha derrotado o Fluminense em pleno Maracanã e iria decidir o título com o Internacional – uma missão quase impossível, pois o time comandado por Rubens Minelli estava ganhando todas. E foi o que aconteceu. Com tentos de Dario e Valdomiro, o Inter derrotou o Corinthians. Poucas vezes em minha vida, que até então tinha durado 13 anos, senti um ódio semelhante. Mas essa raiva toda acabou me anestesiando. Deixei de ser um torcedor fanático naquele momento – e nem comemorei tanto quando o Timão se sagrou campeão, no ano seguinte, derrotando a Ponte Preta e se tornando campeão paulista.
Alguns anos atrás, ver algumas partidas ao lado do meu filho mais velho me fez seguir os jogos do Corinthians novamente. Mas minha irritação com os fracassos corintianos recentes nem chegou aos pés daquela que senti na derrota para o Internacional, quarenta e seis anos atrás.
Aquela data, 12 de dezembro de 1976, me marcaria para sempre. Interessante como alguns momentos moldam a sua personalidade de vez, mas não percebemos isso no momento. São situações como essa que me fazem lembrar de uma frase de Leon Tostói: “A vida de verdade acontece quando pequenas mudanças ocorrem em seu caminho”.