Esta semana me brindou com um momento de nostalgia. Fiz uma reunião de trabalho no centro de São Paulo, na rua Major Quedinho, 90. Era exatamente o endereço do prédio da Gazeta Mercantil, onde eu comecei a minha carreira. Chegando lá, descobri que minha reunião seria exatamente no andar no qual ficava a redação em que trabalhei durante dois anos.
Foi uma sensação esquisita entrar em um local que você conhecia de cor, mas foi transformado por anos de reformas. A planta básica, no entanto, era a mesma. Fiquei olhando o lugar onde ficava a minha mesa, ainda nos tempos da máquina de escrever. Recordei-me imediatamente dos colegas de redação, a posição em que cada um trabalhava e como cada um deles era.
A Gazeta era um jornal diferente. Cobria minuciosamente cada setor da economia, com o jargão típico de seus mercados, mas abria de vez em quando espaço para textos mais leves, que eram publicados em itálico. Ao lembrar disso, foi inevitável não pensar nos bicos de pena – como eram chamadas as ilustrações de empresários, executivos e banqueiros publicadas no jornal e feitas a nanquim (um recurso muito utilizado pelo Wall Street Journal).
Era uma publicação lida por todos os empresários e pelos principais nomes da política brasileira, mas dificilmente alguém se aprofundava em todas as suas páginas. Os leitores, de maneira geral, devoravam as seções de política e de economia e uma editoria que tinha a ver com sua carreira (Transportes, Mineração, Finanças e Legislação eram algumas dessas subdivisões editoriais).
A primeira vez que entrei naquele prédio foi para falar com o editor-chefe, pois tinha sido indicado para uma vaga pelo secretário de Redação, amigo de meu pai. Ainda estava no terceiro ano da faculdade de jornalismo. A oportunidade era fabulosa e eu teria de impressionar os meus interlocutores – ou seja, eu tinha todas as razões do mundo para ficar nervoso.
Mas, quando cheguei no saguão, tive a impressão de que minha vida iria mudar e me senti estranhamente calmo. Fui respondendo a algumas perguntas sobre minha formação e se conhecia alguma coisa sobre economia. Fui sincero: meus conhecimentos se restringiam à leitura de alguns livros de John Kenneth Gailbraith (a quem eu entrevistaria anos mais tarde) e às notícias de jornal. Ele ainda me questionou se eu sabia alguma coisa do mercado financeiro. Respondi que não sabia nada – mas que aprendia rápido. Devo ter agradado, pois fui chamado depois de algum tempo para ser entrevistado por dois editores. Me convidaram, então, para um estágio, que marcou o início de uma jornada profissional palpitante.
Comecei com reportagens absolutamente banais e me lembro do meu coração batendo forte, nos primeiros dias de trabalho, ao ver o meu nome assinando matérias que seriam conferidas por pessoas importantes no mundo dos negócios. Depois de alguns meses, ainda estagiário, fui incumbido de escrever diariamente sobre o sobe e desce da bolsa de valores. Hoje, percebo que abracei uma tarefa além de minhas capacidades na época. Mas não senti o peso da responsabilidade e consegui, assim, superar os desafios.
A Gazeta Mercantil era uma publicação que parecia ser carrancuda, mas sua redação era bastante divertida, com as exceções de praxe. Talvez pelo conteúdo ser muito sério, repórteres e editores gostavam de contar histórias divertidas com nomes importantes da redação — e até mesmo sobre a própria “Mercantil”, como ela era chamada pelos meus colegas de profissão.
A piada sobre a Gazeta era a seguinte: o mundo iria acabar e todos os jornais teriam de publicar suas últimas edições (essa piada é antiga e fala de alguns veículos que não mais existem, como a própria GM). O Jornal da Tarde, que usava mais recursos gráficos que a concorrência, fez uma primeira página em preto, com o seguinte título: “O último dia do mundo”. O Estadão, por sua vez, deu na manchete: “Ameaça comunista provoca o apocalipse”. A Folha de S. Paulo publicou um título de seis colunas: “Pesquisa Datafolha: 90% dos brasileiros são contra o fim do mundo”. E a Gazeta Mercantil? A notícia saiu na dobra do jornal (na manchete havia alguma reportagem de macroeconomia), com um título sugestivo: “Os planos de Deus”.
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Sensacional! O texto me transportou para o ano de 1997, quando minha jornada de trabalho em TV estava pra lá de insuportável e recebi um convite da Regina Neves, editora de um produto chamado Presa Point. Era um resumo da GM em português publicado nas principais capitais do mundo , em português , e vendido nos aeroportos e locais de grande circulação de turistas. Meu “frio na barriga” foi de uma foca, apesar dos anos de janela no jornalismo . Eu era estreante em mídia impressa e nesta mídia, e eu senti o peso da responsabilidade. Lembro até hoje da primeira vez que vi meu nome assinando matéria … Ah que honra ! Bons tempos , bons mestres, boas memórias !
Foi com muita tristeza que vi o fim da Gazeta Mercantil, onde entrei em 1975 como diretor. Na época o jornal circulava basicamente em São Paulo. O editor chefe era o Roberto Muller, excelente jornalista.
Saudades, comecei a trabalhar nesse endereço, rua major quedinho nº90- subsolo – expedição de faturas, jamais me esquecerei
Comecei a Trabalhar na Major Quedinho no ano de 1989 e fui ate 2009 na Gomes de Carvalho na Vila Olímpia.
Saudades………………………………….