Muitas vezes nossas vidas são decididas por fatores que fogem ao nosso controle. Decisões de outras pessoas ou golpes do destino que nos deixam à mercê de um motorista invisível, que faz uso de fatores aleatórios para definir os caminhos pelos quais trilhamos. Em determinados casos, acontecimentos causados por acasos acabam mudando a trajetória da história e os rumos da humanidade.
O assassinato do arquiduque Franz Ferdinand, que muitos historiadores dizem ter sido o estopim da Primeira Guerra Mundial (um episódio que moldou o Século 20 com suas consequências, preparando o terreno para o segundo conflito internacional, ainda mais sangrento), foi um desses momentos em que a casualidade pregou uma peça no curso natural da história.
Um trio de terroristas, liderado pelo bósnio Gavrilo Princip, planejou matar o herdeiro do império Austro-Húngaro em sua visita a Saraievo no dia 28 de junho de 1914. A razão? A Bósnia vivia sob jugo da Áustria-Hungria, com estado de emergência decretado e sem liberdades individuais. Princip obteve uma granada e esperou a passagem do automóvel que levava Ferdinand e sua esposa, Sofia. Jogou a bomba. Mas o artefato ricocheteou na traseira do veículo e explodiu embaixo de um carro estacionado na rua. O comboio do herdeiro continuou em frente e ninguém conseguiu identificar o ato de terrorismo.
Frustrado, Princip tomou o caminho de casa. Mas, no meio do caminho, resolveu parar em um bar para comer um sanduíche. Neste meio tempo, o automóvel de Franz Ferdinand terminava seu périplo por Saraievo. O motorista, no entanto, errou o trajeto e parou exatamente em frente ao bar onde estava o terrorista para tomar informações. Princip, então, viu seu alvo pela janela. Saiu do estabelecimento e deu dois tiros, matando Ferdinand e a mulher.
E se o terrorista não estivesse com fome? E se o motorista não tivesse errado o caminho? E se o carro não tivesse parado em frente àquele bar? A história, sem dúvida, seria diferente.
Outro exemplo, sem implicações históricas, foi vivido pelo ator Emilio Estevez – astro dos anos 1980 e membro da chamada “Brat Pack”, um grupo de jovens atores que fizeram sucesso naquela década, como Demi Moore, Rob Lowe e o próprio irmão de Estevez, Charlie Sheen.
Foi Sheen que proporcionou ao irmão a participação do acaso em sua vida. O ano era 2006 e Estevez estava escrevendo o roteiro de um filme sobre o dia em que Robert Kennedy foi assassinado, no hotel Ambassador, em Los Angeles. Ele estava visitando Sheen em Los Angeles e comentou que não conseguia passar da página 30 do script. Charlie, então, sugeriu que ele pegasse a estrada e se hospedasse em um motel. Isolado de todos, ele talvez conseguisse escrever.
Estevez saiu da casa do irmão, Malibu, na grande Los Angeles, e rumou ao norte. Parou em um motelzinho em Pismo Beach e lá se instalou. A recepcionista o reconheceu e perguntou o que ele estava fazendo por ali. O ator, então, contou que queria escrever um roteiro sobre o dia em que Bobby Kennedy tinha sido assassinado. A mulher empalideceu e disse que tinha sido testemunha do crime, pois era voluntária naquela campanha presidencial.
Estevez usou a estadia para entrevistar a recepcionista várias vezes e conseguiu detalhes do episódio que sua pesquisa não foi capaz de obter. Essas entrevistas foram o impulso que ele precisava para deslanchar o script e realizar o filme, que ele mesmo dirigiu e co-produziu naquele ano.
E se Estevez tivesse dirigido para o sul em vez de pegar a estrada para o norte? E se tivesse parado em outro motel? E se a recepcionista que testemunhou o assassinato de Kennedy estivesse de folga naquele dia? E, falando em Kennedy, e se ele não tivesse sido baleado e conseguisse ser eleito? O mundo de hoje, sem dúvida, não seria o mesmo. Não arrisco dizer que seria melhor ou pior – apenas que seria diferente.
Em minha vida, tive alguns momentos em que o acaso acabou por moldar o meu destino. Mas um em particular se destaca do demais.
Eu tinha dez anos e estudava em uma escola, a Lourenço Castanho, que ia somente até o antigo quarto ano primário naquele início dos anos 1970 (depois, ela ofereceria o restante dos ensinos fundamental e médio). No ano seguinte, portanto, eu teria de estudar em outro lugar. Naquela época, todos os meus vizinhos – com a exceção das meninas que moravam na casa ao lado – estudavam em escolas públicas, que ainda viviam um bom momento.
Insisti, então, para que minha mãe me matriculasse em uma escola municipal ou estadual. Ela, embalada pelo que as mães dos colegas diziam, começou a procurar uma vaga para mim. Mas todas as que procurou estavam lotatadas. Pelo telefone, porém, soube que uma instituição de ensino que ficava na rua Leopoldo Couto Magalhães, no Itaim Bibi, ainda aceitava alunos.
Era hora do almoço quando chegamos lá. Não tinha ninguém para falar com minha mãe no balcão. Ela, então, começou a bater na porta das salas, até que chegou no gabinete da diretora, que estava lá e se dispôs a conversar conosco.
Nesse colóquio, porém, essa senhora ponderou que o ensino público estava em decadência. E que, se minha mãe pudesse pagar uma escola particular, esse seria o melhor caminho. Testemunhei essa conversa e pensei, frustrado, que aquela desconhecida estava decidindo o meu futuro. Minha mãe a escutou e me matriculou em uma escola particular, a Nossa Senhora das Graças, que muito contribuiu para a pessoa que sou hoje. E, como aquela diretora havia previsto, o ensino público piorou muito nos anos seguintes.
E se minha mãe chegasse no horário normal, falando com a atendente que estaria no balcão? Minha vida seria bem diferente. Talvez eu não estivesse escrevendo essas linhas.
O fato é que o acaso age diariamente em nossas vidas sem que percebamos. Só vamos nos tocar disso depois de algum tempo, quando normalmente não há mais a possibilidade de reverter as decisões tomadas no passado. O segredo, nestes casos, é olhar para frente. O arrependimento é como uma âncora que nos arrasta para o fundo de nossa mente, nos impedindo de aproveitar um presente frutífero.
E você? Qual foi a última vez que o acaso mudou a sua vida?
Uma resposta
Algumas vezes o acaso mudou minha vida e consequentemente de algumas pessoas. Meu marido aceitou um emprego no interior do Pará. A empresa ficava numa cidade privada que mais parecia um acampamento na selva. Percebi que alguns trabalhadores eram analfabetos. Conversei com eles e passei a dar aulas. Consegui alfabetizar todos que seguiram estudando. Alguns chegaram ao curso superior. Passei a me dedicar à Educação de Jovens e Adultos. Se meu marido não tivesse aceitado o emprego, hoje não teria a alegria ao lembrar que mudei várias vidas para
melhor através da Educação.