Um vídeo gravado em 2018, que registra o programa Roda Viva com a participação do ex-presidente da Embraer, Ozires Silva, voltou a circular nesta semana pelas redes sociais. Ozires, também ex-comandante da Petrobras e da Varig, conta que esteve, tempos atrás, em um jantar que contou com três jurados do comitê encarregado de indicar nomes ao Prêmio Nobel.
Ele, então, aproveitou para perguntar a esses convidados a razão pela qual não havia um só brasileiro vencedor desse troféu, talvez o maior reconhecimento de obra existente no mundo. Depois de algumas doses de vodca, um dos jurados respondeu à pergunta: “Vocês, brasileiros, são destruidores de heróis”, disse. “Todos os candidatos brasileiros que apareceram – ao contrário do que acontece nos outros países, em especial os Estados Unidos… Toda vez que aparece um candidato brasileiro, todo mundo no Brasil joga pedra”.
A pergunta de Ozires faz todo o sentido. Afinal, há vencedores do Nobel em outros países latino-americanos, como Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela. No Brasil, entretanto, não há um só vencedor. E a resposta do membro do comitê também é fiel à realidade: os brasileiros são os primeiros a criticar um compatriota. Candidatos não faltaram, do biólogo Carlos Chagas ao físico César Lattes, do médico Vital Brasil à escritora Lygia Fagundes Telles, do político e diplomata Osvaldo Aranha ao médico Adolfo Lutz. Todos devidamente detonados por seus concidadãos.
Será o famoso complexo de vira-lata, ao qual Nelson Rodrigues se referia? “O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”, disse o autor de “Bonitinha, mas Ordinária”.
Se voltarmos um pouco no tempo, vamos ver que Rodrigues tem razão. Basta ler alguma linhas traçadas por Monteiro Lobato no início do Século 20: “O Brasil, filho de pais inferiores – destituídos desses caracteres fortíssimos que imprimem – um cunho inconfundível em certos indivíduos, como acontece com o alemão, com o inglês, cresceu tristemente – dando como resultado um tipo imprestável, incapaz de continuar a se desenvolver sem o concurso vivificador do sangue de alguma raça original”.
Mas talvez a baixa autoestima não explique completamente esse fenômeno. Será também o brasileiro um invejoso por natureza?
Inevitável não lembrar de uma frase do maestro Antônio Carlos Jobim sobre o tema. “Sucesso, no Brasil, é a pior das ofensas pessoais”, afirmou ele. Tom Jobim contava uma história a respeito da inveja alheia. Ele tomou banho em casa e foi a um de seus restaurantes favoritos, o Antonio’s, para almoçar um prato de camarão. Ele estava aboletado na varanda do lugar, todo cheiroso, e preparava-se para atacar a sua comida. De repente, apareceu um sujeito, da rua, e gritou: “A-há! Aí, hein, seu Tom Jobim! De banho tomado, comendo camarão…!”. Como se comer camarão fosse um crime capital.
O maestro conseguiu, em 1964, uma façanha e tanto: a música “Garota de Ipanema”, uma composição sua e de Vinicius de Moraes, ganhou o prêmio Grammy de melhor canção. Ele concorreu com os Beatles (intérpretes de “I Want to Hold Your Hand” – a música mais vendida do ano nos Estados Unidos), Barbra Streisand, Petula Clarke e Louis Armstrong – uma turma de respeito. Mas, ao voltar ao Brasil, em vez de ser elogiado, foi acusado de ter se americanizado.
Definitivamente, usando outra frase de Tom Jobim, “o Brasil não é um país para amadores”. Mas talvez seja uma nação de invejosos.
Uma resposta
Concordo, infelizmente. Como viajante frequente, percebi desde sempre um fenômeno muito perigoso para a reputação de nosso país: quando o avião atinge 9.000 metros de altitude, o brasileiro começa a falar mal do Brasil. Não todos, obviamente, mas muitos, em geral líderes empresariais. Não entendem a sabedoria do ditado: “Roupa suja se lava em casa.” Em outros países, mesmo quando o circo está pegando fogo, perante estrangeiros os cidadãos defendem suas nações. Exaltam os pontos positivos. Essas nações ganham melhor reputação, maiores investimentos etc. Os brasileiros precisam acordar dessa síndrome de mal-resolvidos e começar a celebrar tudo e todos, neste país, que merecem respeito e admiração. O resto, resolvamos em nossa cozinha.