Em plena pandemia, durante uma “live”, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, deu a seguinte declaração: “Sempre há um editor. O editor virá a ser o Poder Judiciário, se houver um conflito e ele for chamado. E o Judiciário não tem a possibilidade de dizer ‘isso eu não julgo’, nós temos de julgar. Enquanto Judiciário, enquanto Suprema Corte, nós somos editores de um país inteiro”.
A frase vem a calhar diante do momento atual. Nesta semana, em Madri, o ministro se queixou da imprensa, que criticou juízes que marcam presença em eventos internacionais com as despesas pagas pelos organizadores – como era o caso do seminário ao qual ele comparecera, realizado na Universidade Complutense, localizada no bairro madrilenho de Moncloa. “Essas matérias são absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”, disse Toffoli à Folha de S. Paulo momentos antes de proferir sua palestra sobre “inovações regulatórias no mundo (mais) digital”.
Esse caso fez alguns observadores políticos a lembrar de um trecho de “As Sátiras”, do poeta romano Juvenal: “Quis custodiet ipsos custodes?”. Uma das traduções possíveis para essa indagação é: “Quem vigia os vigilantes?”. Diante do depoimento de Toffoli feito em 2020, podemos adaptar a pérola de Juvenal da seguinte forma: “Quem edita os editores?”.
A resposta é simples: a imprensa. Os jornalistas têm várias funções na sociedade, mas uma delas se destaca em momentos como o atual – descortinar atitudes ou decisões de autoridades, revelando ao público o que poderia ficar restrito a meia dúzia de pessoas bem-informadas.
O problema é que, aparentemente, boa parte do Supremo acredita estar acima da humanidade e tem carta branca para “editar o país inteiro”, sem contestações. Bem, a imprensa volta e meia mostra que esses indivíduos, que se consideram infalíveis, podem estar errados em determinadas situações.
Muitas decisões do STF já foram interpretadas por parte da sociedade como “inadequadas, incorretas e injustas”. Mas isso não incomoda o ministro. O que parece chateá-lo é que, nas reportagens sobre esses eventos no exterior, foram feitos registros de detalhes inconvenientes para a Corte. Ou seja, o problema não está nos eventuais erros e sim nas verdades indesejáveis.
O ministro, evidentemente, tem todo o direito de achar que as reportagens eram “inadequadas e injustas” – conceitos absolutamente subjetivos. Mas, se houve alguma incorreção, o STF deve se manifestar e colocar os pingos nos is.
A imprensa talvez possa ser enquadrada, como disse Toffoli, na categoria “editor de um país inteiro”. Mas, nesse caso, quem vigia esses editores? Os leitores e a sociedade em geral. Sem credibilidade, um órgão de imprensa afunda ou se transforma em um morto-vivo. Infelizmente, isso não acontece nas redes sociais – ou em determinadas esferas do Poder.